Título: Ipea deixa de publicar projeções de indicadores feitas já há duas décadas
Autor: Almeida, Cássia; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 27/06/2008, Economia, p. 22

Coordenador alega que decisão foi tomada para não alimentar previsões de inflação

Cássia Almeida e Gustavo Paul

RIO e BRASÍLIA. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, deixou de divulgar suas projeções trimestrais para os principais indicadores da economia brasileira. As projeções serão feitas apenas em março e só serão revistas se os dados apurados foram diferentes das estimativas. O Boletim de Conjuntura, com análise de indicadores econômicos de curto prazo e projeções, começou a ser divulgado há 21 anos, em 1987, e sempre foi uma referência. O boletim passou a ser chamado de Carta de Conjuntura desde que Marcio Pochmann assumiu a presidência do Ipea, no fim de 2007.

A decisão chegou a causar confusão. A princípio, assessores do Ipea disseram que a decisão de não publicar as projeções trimestralmente teria partido da Presidência da República e do Núcleo de Assuntos Estratégicos, comandado pelo ministro Mangabeira Unger. A informação foi corrigida em seguida.

Mangabeira negou que tenha havido orientação para que o Ipea não divulgasse as previsões trimestralmente. Segundo assessores, a orientação dada ao Ipea, quando ele foi incorporado à secretaria, no ano passado, é que o órgão se voltasse para estudos e projeções de longo prazo, visando a cenários de cinco, dez e 15 anos, por exemplo.

Segundo Miguel Bruno, um dos coordenadores do Grupo de Análises e Projeções do Ipea, a decisão sobre a publicação foi tomada para não alimentar as projeções de inflação:

- Vira uma profecia auto-realizadora.

Segundo o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, João Sicsú, a decisão de fazer apenas uma projeção anual (em março para fins de dezembro) foi tomada pela diretoria colegiada do instituto:

- Não somos gestores de política econômica nem operadores do mercado financeiro para nos preocuparmos com as projeções. Nossa missão é pensar o Brasil no longo prazo.

Técnicos do Ipea já têm novas previsões

Com a nova regra, enquanto as projeções para inflação em 2008 já estão superiores a 6%, inclusive a do próprio Banco Central (BC), pelo Ipea, o IPCA deve variar entre 4% e 5%. O debate sobre o inflação chegou a causar constrangimento entre técnicos do Ipea, que informaram trabalhar com projeções bem diferentes das expostas na Carta de Conjuntura de março:

- É óbvio que não trabalhamos com essas projeções - disse um técnico.

Segundo Sicsú, os economistas do órgão são livres para divulgar projeções, mas não em nome da instituição.

Outra previsão que se afastou da realidade foi o déficit em transações correntes (saldo do comércio de bens e serviços do Brasil com o mundo) deste ano. De janeiro a maio, está em US$14,7 bilhões, bem acima dos US$11 bilhões projetados pelo Ipea para o ano fechado.

- Nós economistas erramos. Por isso, quando isso acontecer, vamos rever nossa projeção e explicar por quê - disse Sicsú.

Segundo Bruno, a inflação preocupa, mas não é alarmante e se concentra mais nos alimentos. Portanto, numa crítica à política de aumento de juros pelo BC, afirmou que outras medidas poderiam ser tomadas, como desoneração de produtos e importação:

- Não queremos trocar inflação por baixo crescimento e desemprego. A taxa de juros é exorbitante. É o calcanhar-de-aquiles do Brasil.

Mesmo criticando os juros altos, a Carta de Conjuntura afirma que a recente subida da taxa Selic, atualmente em 12,25% ao ano, não teve impacto no avanço do investimento no Brasil.