Título: O dólar é um mero detalhe
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 28/06/2008, Economia, p. 29

Governo permite ordem de pagamento em real do exterior. BC estrangeiro poderá investir na moeda

Patrícia Duarte

Ogoverno deu ontem mais um passo para a internacionalização do real ao editar uma medida provisória (MP) que permite que brasileiros no exterior - pessoas físicas e empresas - façam ordens de pagamentos em reais para honrar compromissos no Brasil. Também passará a ser permitido que instituições financeiras internacionais mantenham contas no Banco Central (BC) para fazer serviços de compensação, liquidação e custódia no mercado internacional. Ou seja, agentes internacionais poderão fazer operações em reais no exterior. A MP permite ainda que bancos centrais de outros países tenham conta, em reais, no BC brasileiro, para que o real faça parte das reservas internacionais de outros países.

As medidas ainda precisam passar pelo crivo do Conselho Monetário Nacional (CMN) e, por isso, ainda não estão valendo. De acordo com o BC, não há estimativa de quando isso irá ocorrer. A edição da MP, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi necessária para criar a estrutura jurídica para que as ações entrem em prática após avaliação do CMN.

Nas operações externas de pagamento não haverá mais a necessidade de fechar contratos de câmbio, o que pode agilizá-las e torná-las mais baratas. Hoje, uma empresa chinesa, por exemplo, que compra produtos brasileiros, precisa fazer o seu pagamento transformando o yuan em dólares, remetê-los ao Brasil e, aí, transformá-los em reais. Com a nova medida, o pagamento poderá ser feito convertendo o yuan em reais diretamente. Para que essas operações sejam realizadas, os bancos internacionais devem constituir correspondentes bancários no Brasil. Os que já possuem atividades aqui estão liberados dessa prerrogativa.

BC diz que medida não afetará o câmbio

Segundo o BC, essas medidas não afetarão o câmbio e suas cotações porque os bancos que ficarem responsáveis pelos pagamentos terão de adquirir reais no mercado local, trazendo moeda estrangeira para o país do mesmo jeito. Especialistas de mercado concordam.

- De qualquer forma, os bancos vão ter de comprar reais no mercado interno. Vai continuar entrando dólares - disse o gerente de câmbio do banco Schahin, Daniel Szikszay.

A medida agradou aos exportadores brasileiros, mas existe uma dúvida sobre a adesão dos bancos internacionais. O vice-presidente da Associação Brasileira dos Exportadores (AEB), José Augusto de Castro, avalia que as instituições financeiras de fora ainda não têm tanto interesse em trabalhar diretamente com real, por não ser uma "moeda conversível". Mas elogiou a ação:

- Como princípio, as mudanças são muito boas. Precisamos ver quais serão as demandas.

O BC reconhece que a internacionalização do real é trabalhosa e longa. Mas já vem mudando regras desde 2004, que passaram pela unificação do mercado de câmbio até o fim da cobertura cambial, que liberou os exportadores brasileiros da obrigatoriedade de terem de trazer os dólares das suas vendas ao Brasil.

A MP também prevê a implementação do Sistema de Pagamentos em Moedas Locais do Mercosul, que permitirá que operações comerciais entre Brasil e Argentina sejam feitas em pesos e reais.