Título: Ensaio para virar milícia
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 29/06/2008, O Globo, p. 18
Disputa entre grupos clandestinos de segurança preocupa moradores da Zona Sul
Cláudio Motta
Grupos concorrentes de vigilância ilegal já começaram a disputar territórios na Zona Sul, a área mais nobre e bem policiada da cidade. Em alguns casos, chegam a promover roubos e furtos nas áreas rivais que pretendem controlar, diz Frederico Câmara, presidente do sindicato de empresas regularizadas de segurança privada, o Sindesp. A acelerada expansão da atividade clandestina, com a cobrança de colaboração em dinheiro por cartas, vem deixando moradores amedrontados. Na 13ª DP (Copacabana) e na 10ªDP (Botafogo), há registros de denúncias de práticas que lembram a atuação de milícias. Autoridades e especialistas alertam que, se o problema não for enfrentado, a segurança ilegal poderá reproduzir, na Zona Sul, os mesmos métodos que originaram as milícias na Zona Oeste.
¿ A milícia é um agravamento desse tipo de segurança, desse bico do agente do estado onde existe vácuo de poder. Parte das milícias surgiu dessa forma: eu faço o bico, convivo onde moro com criminosos, com a violência, assumo a segurança. Agora começou também a se desvirtuar, a se expandir ¿ diz o titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), delegado Cláudio Ferraz.
Ilegais já faturam o mesmo que legais
O Sindesp estima o crescimento da atividade ilegal de vigilância em 22% ao ano ¿ superior aos 18% das firmas legalizadas. Só na Zona Sul, segundo o presidente da entidade, a segurança clandestina já fatura igual às firmas legalizadas: cerca de R$6 milhões por mês. Os ilegais, de acordo com Câmara, tanto podem usar coletes com a palavra ¿apoio¿ como circular sem qualquer identificação.
¿ Primeiro seguranças clandestinos disputaram espaço com firmas legalizadas. Agora já há grupos ilegais diferentes buscando as mesmas áreas. Recebemos informações de sinistros relacionados a seguranças não legalizados querendo boicotar o serviço de outros ¿ afirma Câmara.
Moradores de Copacabana já constataram a disputa por territórios. A Associação de Moradores e Amigos dos Postos 2, 3, 4 e 5 registrou queixa na 13ª DP reclamando da atividade de seguranças clandestinos no entorno da Rua Cinco de Julho. Segundo diretores da associação, a vigilância ilegal estaria aumentando sua área de influência para lucrar com o serviço prestado.
¿ Calcule o valor arrecadado por rua. Isso explica por que os seguranças estão se expandindo e disputando espaço ¿ disse uma moradora de Copacabana, que pediu para não ser identificada.
Gabriel Vidal, diretor da Associação de Moradores da Cinco de Julho e Adjacências (Amora-5) na época em que a vigilância na rua foi implantada, no fim de 2006, alega que as denúncias foram feitas por perseguição. Um informativo da Amora-5 distribuído em novembro passado reconhece, porém, que a firma contratada ainda não tinha habilitação na Polícia Federal. A empresa estaria, na época, em processo de legalização. O presidente da Amora-5 não foi localizado.
Na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, dezenas de seguranças trabalham irregularmente. Somente na altura da Rua Paula Freitas, pelo menos quatro vigilantes vestiam sexta-feira o colete com a inscrição ¿apoio¿. Um deles, sem se identificar, reclamou das condições de trabalho na rua:
¿ Ganho um salário mínimo, e não recebemos passagem. Sou pedreiro e estava desempregado. O patrão tem vigilantes na Barra, no Centro e em Copacabana e está crescendo.
Em Botafogo, vigilantes usam até radiocomunicadores para controlar o movimento nas ruas Capitão Salomão e Voluntários da Pátria. Eles seriam contratados informalmente por um policial, que teria distribuído cartas fazendo cobrança a moradores.
¿ Eles se acham os donos da rua ¿ reclamou um comerciante, pedindo anonimato.
O mesmo ocorreu na Rua Martins Ferreira, também em Botafogo. Em carta, os vigilantes afirmam que prestam o serviço há mais de dez anos e pretendem aumentar a área de atuação. A Associação de Moradores de Botafogo registrou queixa na polícia.
¿ Existe coação, vivem forçando a barra. Depois de cada onda de assaltos e arrombamentos, chega uma circular deles. A polícia pede que a população colabore, mas, quando denunciamos, não acha os responsáveis. As milícias estão se expandindo ¿ diz Regina Chiaradia, presidente da associação.
Até na rua da guarda do Palácio
Em Laranjeiras, moradores da Rua Cardoso Júnior receberam recentemente uma circular dizendo: ¿Devido ao aumento de roubos e furtos nesta região, estamos oferecendo um serviço de segurança em sua rua.¿ O serviço, que funcionaria das 18h às 6h, custaria R$50 mensais. A ousadia dos seguranças clandestinos chamou mais a atenção pelo fato de a rua sediar a 1ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), a guarda do Palácio Guanabara. Moradores se mobilizaram contra os seguranças, que não conseguiram se instalar.
¿ O comandante (do 1º CIPM) disse que não precisava disso, e fim, acabou. Nenhum morador contratou isso ¿ disse Irati Araújo, presidente da associação de moradores.
A Polícia Militar informou que o caso está sendo investigado pelo 2ºBPM (Botafogo) e que a Corregedoria da corporação apura denúncias que envolvam PMs.
Para Fernando Bandeira, presidente do Sindicato dos Vigilantes do Estado do Rio, a segurança ilegal de rua é sinônimo de milícia:
¿ Hoje ela pode não ser tão agressiva, mas a tendência é que fique igual às milícias que controlam comunidades na Zona Oeste.
Pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos observa que os milicianos, além de controlarem territórios, cobram taxas por outros serviços, como gás:
¿ A tendência é que esse fenômeno tente ser reproduzido em outras áreas. Serão decisivas, para isso, as reações das pessoas para que a cultura da cidadania prevaleça.
Para o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, segurança ilegal não é milícia, mas tem que ser igualmente combatida:
¿ As pessoas estão acuadas e acabam contratando policiais para vestir colete de ¿apoio¿ e apitar na rua. A Polícia Federal deve fiscalizar as empresas de segurança, mas a sociedade não tem que estar com a Constituição embaixo do braço para saber de quem é a atribuição. Nossa recomendação é a seguinte: policial que flagrar segurança ilícita tem que abordar.