Título: Multiplicando os peixes
Autor: Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 29/06/2008, Economia, p. 29

Com 60% da produção ainda artesanal, governo incentivará consumo para preço cair 30%

Mônica Tavares*

Neste domingo, dia de São Pedro, o mais famoso pescador da história ficaria encabulado com a produção pesqueira brasileira. Apesar dos 8,5 mil quilômetros de costa, o Brasil produz apenas 1,05 milhão de toneladas de peixes, moluscos e crustáceos por ano, movimentando R$3,2 bilhões. É quase nada diante dos 45 milhões de toneladas produzidos pela China. O peixe brasileiro ainda é predominantemente produzido por técnicas rudimentares: 60% do pescado são oriundos de 613 mil artesãos, na sua maioria analfabetos e com pouca mobilização.

Hoje, somente 26%, ou 270 mil toneladas, de pescado no país por ano vêm da produção em cativeiro (aqüicultura). A proposta do governo é chegar a 50%, criando ainda um ambiente no país que possibilite alcançar investimentos entre R$5 bilhões e R$6 bilhões por ano no setor de pescado em uma década. Em julho será lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva o Plano de Desenvolvimento da Aqüicultura e Pesca Brasileira 2008/2011.

- Um dos fatores responsáveis é o fato de o preço médio estar acima do das outras carnes - disse o ministro Altemir Gregolin, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca.

Brasileiro consome metade do que deveria

O plano é reduzir o preço do produto no mercado interno entre 20% e 30%, de forma a incentivar o consumo. Segundo o ministro, a média mundial de consumo de pescado é de 16,5 quilos por habitante/ano, enquanto o recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) é de 12 quilos. Mas no Brasil ele não tem ultrapassado os 7 quilos.

Uma das saídas para resolver o problema é reduzir a cadeia produtiva, desestruturada e longa. Para isso, é necessário melhorar a infra-estrutura, com a construção de terminais pesqueiros e centros de integração, que contarão com fábricas de gelo. Cerca de 40% dos recursos serão aplicados na infra-estrutura.

O governo trabalha com três eixos. O primeiro visa a recuperar a pesca artesanal, com qualificação profissional e assistência técnica. Além disso, pretende recuperar os estoques na costa marítima e ampliar a produção no oceano. Para isso, é necessário construir e restaurar embarcações. O terceiro ponto é destinado à criação de pescado em cativeiro, além de ostras, mariscos e mexilhões.

A preocupação do governo não vem de agora. O programa a ser lançado vem reforçar outro de 2005, chamado de "Águas da União", que já pretende aumentar em 700 mil toneladas a produção nacional até 2013, tanto da pesca artesanal quanto da industrial. Mas o desafio ainda é grande.

Também contribuíram para esse cenário o financiamento escasso, a falta de planejamento e, conseqüentemente, a pesca predatória. Os reflexos da decadência da atividade na última década também se manifestam na balança comercial. O país, que já foi abundante na produção de sardinha, por exemplo, tem que importar 35 mil toneladas anuais.

O presidente da Confederação Nacional dos Pescadores e Aqüicultores, Ivo Silva, é duro ao criticar o governo e a secretaria. Até agora, contou, 40% das carteiras de pescador necessárias para que o profissional possa trabalhar ainda não foram entregues. As licenças de embarcações para que eles operem não foram emitidas.

A revitalização do setor passa ainda pelo Plano Local de Desenvolvimento da Maricultura (PLDM), criado também em 2005 e que se destina inicialmente a 75 municípios de nove estados. O objetivo é alavancar a pesca, por meio da produção em cativeiro, em pequena escala no mar, baías, enseadas, lagoas costeiras ou estuários, a partir do planejamento e do zoneamento.

Fazem parte do projeto os estados do Rio, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Paraná, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Sul. O piloto, já em andamento, é Santa Catarina, maior produtor de pescado (seguido do Pará) do Brasil. Depois de aprovado o PLDM da região, há a fase do licenciamento ambiental. Os pescadores depois têm acesso ao Pronaf, o programa de incentivo à agricultura familiar. No Rio, houve um atraso, porque o trabalho começou a ser feito pela Universidade Federal Fluminense, que não teve condições de prosseguir.

Segundo Felipe Suplicy, coordenador do projeto, a Petrobras e a Eletronuclear têm interesse em financiá-lo.

Pescador reclama de despesas altas para sobreviver

Aderildo da Cruz Silva, conhecido como Bahia, tem 45 anos e está no mar há 18 anos. Chega a ficar dez dias embarcado e é um dos pescadores mais experientes de Niterói. Ele diz que a situação está cada vez mais difícil. As despesas mensais variam de R$3 mil a R$4 mil. Para obter a licença, é preciso gastar R$7 mil. Como não é permitido pescar durante a reprodução dos peixes, há uma ajuda oficial.

- É um valor muito baixo. Dois salários mínimos a cada seis meses. Os pescadores enfrentam problemas, como a alta no preço do gelo e do óleo para o barco. A pedra do gelo passou de R$3 para R$3,20. É falta de competição. Só temos um fornecedor de quem comprar - diz ele, que trabalha com mais quatro pessoas, entre eles o "gelador" Anderson Gomes Feitosa.

COLABOROU Bruno Rosa

PESCA EMPRESARIAL TAMBÉM TERÁ INCENTIVO, na página 30