Título: Inspiração mística e guerreira
Autor: Doca, Geralda ; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 29/06/2008, Economia, p. 33

Denise Abreu promete ir até o fim em denúncias

BRASÍLIA. Praticamente banida da vida pública e com imagem consolidada de "charuteira arrogante" da crise aérea, Denise Abreu, 46 anos, ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), passou nove meses longe dos holofotes. Com base em três personagens diferentes de inspiração, deu três passos: recuperou-se de uma crise depressiva, vingou-se do que considera ser uma traição do governo e promete ir "até o fim".

Em agosto do ano passado, Denise renunciou sob suspeita de conluio com empresas aéreas e acusação de fraude sobre normas de segurança que poderiam ter evitado o acidente do vôo 3054 da TAM, que deixou 199 mortos em Congonhas. Sua volta a Brasília foi planejada e quase triunfal.

Na mesma sala do Senado onde fora duramente interrogada sobre a crise aérea naquela ocasião, foi recebida em junho com escolta policial e sem a habitual truculência da tropa de choque do governo. Em seu depoimento, poucos viram, mas ela manteve à sua frente uma imagem de santa Teresa de Ávila (1515-1582). A religiosa espanhola, fundadora da Ordem das Carmelitas Descalças, é conhecida pelos transes místicos e ensinamentos de meditação. Para Denise, é leitura diária. Da santa, espécie de musa inspiradora, ela carrega a convicção de "dizer a verdade".

Já a manobra de "dizer a verdade" sobre os bastidores das operações suspeitas do governo envolvendo a Varig tem inspiração mais terrena. Denise se considera herdeira do pai, Olten Ayres e Abreu, árbitro de futebol na década de 60:

- Meu pai foi forçado a renunciar como árbitro da Fifa. No dia seguinte, chamou a imprensa e denunciou todos os podres da CBF. Eu me espelho muito no meu pai, em sua coragem e em sua garra.

Ainda assim, Denise tem marcas sombrias. Em lugares públicos, verifica tudo à sua volta. Não conversa com portas abertas, teme telefones grampeados e intimidação contra si ou seus dois filhos. Daí surge outra inspiração: Joana D"Arc (1412-1431). Santa e heroína, liderou a França em batalhas contra a Inglaterra e acabou queimada viva por heresia. Foi inocentada 25 anos depois.

Ao mesmo tempo em que considera preconceituosas as declarações do presidente Lula a seu respeito ("Só Freud explica"), Denise avalia que incomodou profundamente o Planalto. Para embasar suas acusações, levou - literalmente - uma mala de documentos, que teve até escolta de batedores em Brasília, onde diz não querer pisar nunca mais.

Sem perspectivas profissionais de curto prazo - "Quem vai querer me contratar agora?" -, Denise rememora o passado. Em especial os tempos de procuradora em São Paulo e sua atuação no governo Mário Covas. Explica que deixou para trás as ligações tucanas para investir em sua carreira na Casa Civil:

- Confiei no meu taco. Eu iria crescer e, saindo dali, teria o emprego que quisesse.

Mas foi parar na Anac em meio às negociatas da Varig, uma crise aérea e os dois piores acidentes da história da aviação civil do país.

- Não me arrependo e faria tudo de novo, só que seria mais esperta. Meu único erro foi acompanhar o voto dos outros diretores na aprovação da venda da VarigLog. Por isso eu posso ser julgada. Mas, na hora, achei que não poderia deixar meus colegas em má situação. (Geralda Doca e Leila Suwwan)