Título: Prometeu-se mudar e tudo está igual ::
Autor: Maierovitch, Walter Fanganiell
Fonte: O Globo, 01/07/2008, Opinião, p. 7

O fenômeno representado pelas drogas ilícitas continua sendo aproveitado para esconder interesses geopolíticos, geoestratégicos, geoeconômicos. Por isso, convenções, assembléias especiais, relatórios e conclusões devem ser analisados com cautela.

O Brasil, estranhamente e pela agência de drogas e crimes das nações (Unodc), já foi, para agradar ao governo Lula, considerado país de grande consumo de pílulas para emagrecimento e não de elevado uso abusivo de cocaína e de maconha.

Por evidente, ninguém do escritório da Unodc freqüentou morros, esquinas, bares e discotecas dos nossos centros urbanos. Essa agência, nos relatórios, emprega fundamentalmente dados chapa-branca, ou seja, fornecidos pelos próprios estados membros da ONU.

O relatório que acaba de ser apresentado pela Unodc refere-se ao arco entre 2001 e 2004. Uma radiografia antiga, mal tirada e generosa. Por ele, o consumo de maconha cresceu em 160%, a representar 3 milhões de usuários. Os usuários de cocaína chagariam a 870 mil, com aumento de 75%.

No Brasil, como em outras partes do mundo, muitos usam a maconha para fins terapêuticos, medicinais. O relatório da agência Unodc, no entanto, coloca todos os brasileiros no mesmo barco, ou seja, não distingue o uso medicinal do lúdico. Para essa agência, norteada pela linha proibicionista presente na Convenção de Nova York de 1961, ainda em plena vigência, são todos igualmente transgressores.

Nesse relatório, a Unodc, que vive a reboque da Casa Branca e apóia a política militarista norte-americana da war on drugs (guerra às drogas), preferiu, de modo a acompanhar a geopolítica ditada no governo Bush, dar destaque ao Afeganistão e à Colômbia.

De forma subliminar, no relatório, interessa passar a idéia de que na Colômbia, com o aumento do plantio da coca, a "guerra" deve continuar. Lógico, com Uribe e apesar do retumbante fracasso do Plan Colômbia. No Afeganistão, maior produtor de ópio bruto, convinha envolver os talebans (fundamentalistas fanáticos que matam usuários de álcool e drogas) com o tráfico e esquecer que são os "senhores das guerras", chefes tribais, que cultivam a papoula, extraem e traficam o ópio.

Não restou realçado no relatório o principal dos problemas: o mercado das drogas proibidas movimenta cerca de US$400 bilhões, que circula pelos sistemas financeiro e bancário internacionais. E a Convenção de Viena de 1988 alertou a respeito.

No Brasil e neste 2008, o consumo de drogas continua a crescer. As drogas sintéticas, feitas em fundo de quintal e poluídas, são ingeridas com as denominadas bebidas energéticas. Elas caíram no agrado dos jovens nas chamadas "baladas", onde a "bala" (nome dado à sintética) é comercializada intensamente. No particular, o governo Lula não promove nenhuma campanha esclarecedora em mídia nacional.

O certo é que o Brasil tornou-se, desde o final dos anos 80, país de elevado consumo de cocaína, como todos os outros países de trânsito. Isto porque as despesas com transporte e circulação, no território nacional, são pagas com a própria droga e não com dinheiro.

Quanto à maconha, o consumo sempre foi elevado por aqui e o nordestino Polígono da Maconha sofreu a concorrência da maconha paraguaia, plantada com sementes transgênicas, a ensejar safras permanentes.

Não precisa ser especialista no exame do fenômeno das drogas para se saber que o Marrocos, maior produtor mundial de maconha e haxixe, tem uma economia dependente da droga.

Essa situação mostra a existência de estados com economia dependente, além dos narcoestados e de países cúmplices. A Unodc, como se verificou no Chapare boliviano e no Afeganistão ao tempo do governo dos talebans, não conseguiu mínimos resultados em projetos de cultivos substitutivos ou de implantação de tecelagens (caso do Afeganistão), para mudar o eixo e a dependência econômica.

Para diferentes especialistas, as áreas de plantio de coca, analisadas imagens por satélite da região andina, continuam com a mesma extensão há dez anos, ao contrário do que concluiu a Unodc. Não ocorreram aumentos, mas migrações para fugir às erradicações manuais e ao derrame de herbicidas.

A política brasileira para contrastar o fenômeno das drogas, apresentada no apagar das luzes do governo FHC, é cópia carbonada da norte-americana, de péssimos resultados. No governo Lula, prometeu-se tudo mudar, mas continua tudo igual.

WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH é presidente da organização não-governamental Instituto Giovanni Falcone.