Título: Petróleo sob suspeita
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Fonte: O Globo, 01/07/2008, O Mundo, p. 28
Iraque abre campos a empresas estrangeiras, mas licitação foi orientada pelos EUA.
NOVA YORK e BAGDÁ
Cinco anos depois de o país ser invadido pelos americanos e mergulhar numa guerra que já deixou cerca de 200 mil mortos, o Iraque anunciou ontem a abertura de licitação para seis gigantescos campos de petróleo a empresas estrangeiras. A decisão que envolve a terceira maior reserva mundial, estimada em 115 bilhões de barris, no entanto, chega com uma sombra de suspeita. Segundo o jornal "The New York Times", um grupo de consultores americanos, liderados por uma equipe do Departamento de Estado, participou na elaboração de contratos entre Bagdá e cinco grandes companhias petroleiras ocidentais para explorar os campos. A revelação seria a primeira confirmação do envolvimento direto do governo Bush em negócios para abrir o petróleo iraquiano ao desenvolvimento comercial.
A decisão de convidar empresas estrangeiras a operar no país deverá fornecer o dinheiro e a capacidade técnica de que o país precisa para recuperar sua infra-estrutura - duramente danificada por anos de sanções econômicas na época de Saddam Hussein e posteriormente pela guerra. Mas, o fato de empresas americanas e britânicas saírem na frente pode despertar críticas de países árabes e revolta dos que se opunham à guerra, e que afirmavam que o petróleo era o principal motivo para a invasão.
- Os seis campos de petróleo anunciados hoje (ontem) são a espinha dorsal da produção iraquiana - declarou o ministro do Petróleo, Hussain al-Shahristani.
Segundo o governo iraquiano, 41 empresas foram pré-qualificadas e podem oferecer propostas para contratos de longo prazo para a recuperação dos seis campos de petróleo, assim como de duas jazidas de gás natural. Mas, ao mesmo tempo, seis contratos técnicos de curto prazo sem licitação estão em discussão com a Royal Dutch Shell; Shell em parceria BHP Billiton; BP; Exxon Mobil e Chevron em parceria com Total, além de um consórcio de Anadarko, Vitol e Dome. As negociações para os contratos curtos - cada um de cerca de US$500 milhões - despertam preocupações de que estas companhias saiam na frente na disputa pelos contratos mais longos. Mas Shahristani nega que haverá privilégios.
O prazo final da licitação é março de 2009, e o ministro espera ter os contratos assinados em junho do mesmo ano para elevar a produção a 1,5 milhão de barris por dia nesses campos. O país pretende chegar a 4,5 milhões em 2013. Ontem, o preço do barril chegou a US$143,67. "Com o barril rondando US$140 e a economia americana à beira de uma queda livre, Washington parece ter decidido que não pode mais esperar para usar as gigantescas reservas do Iraque e baixar os preços", disse o analista Salah Hemeid ao jornal egípcio "Al Ahram", para quem isso está por trás do aumento de segurança nas regiões petroleiras.
Violência impedia a exploração
Segundo o "Times", advogados do governo e consultores do setor privado americanos forneceram modelos e sugestões detalhadas ao Ministério do Petróleo iraquiano sobre a redação dos contratos, de acordo com esses próprios consultores e um funcionário do Departamento de Estado. Os consultores - que, assim como o funcionário, falaram sob condição de anonimato - afirmam que seu envolvimento foi apenas com detalhes técnicos e que não ajudaram a escolher as cinco companhias. Em época de alta do preço do petróleo, contratos sem licitação, num país com alguns dos maiores campos do mundo, são um prêmio raro nessa indústria, diz o jornal.
Opositores da guerra no Iraque acusam o governo Bush de trabalhar nos bastidores para garantir o acesso ocidental aos campos iraquianos. Para alguns analistas, ao beneficiar empresas ocidentais o governo Bush pode aumentar os riscos para os seus soldados no país. Além disso, muitos iraquianos ainda guardam rancor de companhias britânicas, americanas e francesas por terem controlado sua indústria petrolífera por meio século através da Iraq Petroleum Co (IPC).
- Os Estados Unidos não se envolveram em qualquer decisão para conferir contrato, criar determinações de qualquer espécie em contratos que seriam oferecidos, fornecer conselho sobre que tipo de contratos seriam oferecidos - negou o porta-voz do Departamento de Estado, Tom Casey.
A escalada da violência após a invasão americana em 2003 tornou impossível abrir o setor ao investimento estrangeiro. A política interna também teve seu papel. Os sunitas boicotaram constantemente a abertura do setor, temerosos de serem prejudicados, já que as grandes reservas ficam na zona curda, no norte, e na xiita, no sul. Fartos, os curdos começaram a dar concessões a empresas estrangeiras. A norueguesa DNO se tornou em 2007 a primeira estrangeira a extrair petróleo no Iraque em 36 anos. Um ano atrás, apenas no Curdistão iraquiano era possível trabalhar sem muito risco. Mas a sabotagem de oleodutos diminuiu com o aumento de segurança, permitindo a prospecção em outras áreas do país.
Os EUA têm encorajado o investimento em novos lugares do mundo que possa aliviar a pressão global sobre os suprimentos, e assim tentar baixar o preço do petróleo. O Iraque é particularmente atraente, já que além de vastas reservas tem potencial para levar novas fontes de petróleo ao mercado de forma relativamente barata.
Ontem, o governo iraquiano processou dezenas de empresas, incluindo a Chevron, em mais de US$10 bilhões, acusando-as de pagar suborno a Saddam, burlando o programa Petróleo por Comida. Na época, o país estava sob sanções e só podia vender o óleo através da ONU.