Título: Janela para a infidelidade
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 03/07/2008, O País, p. 3

Comissão aprova projeto que permite troca-troca partidário por 30 dias em ano pré-eleitoral.

Por 33 votos a oito, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou ontem uma proposta que flexibiliza a fidelidade partidária. O projeto abre uma janela de 30 dias para o troca-troca partidário, sem punição, durante o mandato. A maior oposição à proposta foi feita pelo DEM, que tem visto sua bancada diminuir no Congresso e chamou a brecha de "janela da infidelidade". O projeto ainda terá que ser analisado pelo plenário da Câmara e, se aprovado, irá ao Senado.

- O projeto fragiliza o compromisso do eleito com o partido nas votações e o deixará submisso ao poder de sedução do governo - criticou o deputado Efraim Moraes (DEM-PB).

O líder do PPS, Fernando Coruja, também votou contra:

- Tenho preocupação em relação à janela porque pode criar um brutal instrumento de negociação.

Segundo o projeto aprovado na CCJ, as trocas poderão ser feitas no mês de setembro que antecede o ano da nova eleição e do fim do mandato. O projeto permite que políticos eleitos mudem de partido para concorrer na eleição, desde que na mesma circunscrição eleitoral (nacional, estadual ou municipal). Um deputado, por exemplo, não poderá trocar de legenda para disputar uma eleição municipal. Ou um governador, caso se candidate à Presidência da República.

Autor da proposta, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) disse que a janela será aberta apenas uma vez, durante o mandato e fora do período em que normalmente havia mudanças fisiológicas: logo após a eleição, com a debandada de políticos de partidos perdedores rumo às legendas que apóiam o governo vencedor.

- As pessoas votam em pessoas e partidos. Há uma dupla fidelidade. Nem toda mudança partidária é fisiológica. Há mudanças legítimas e elas devem ter espaço - afirmou Dino.

PT e PSDB a favor, DEM é contra

Ano passado, decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmaram que o mandato pertence ao partido e que a troca injustificada de legenda leva à perda do mandato. Dino disse que a resolução do TSE sobre fidelidade partidária tem inconstitucionalidades que serão reconhecidas no STF.

Dino afirmou que há tribunais regionais eleitorais, como o da Bahia, recusando-se a aplicar a norma. Disse ainda que o procurador-geral da República, Antonio Fernando, também entrou no STF com ação apontando essas inconstitucionalidades.

- Sou totalmente a favor da fidelidade. Meu texto tem a lógica do TSE, mas cabe ao Congresso decidir sobre essa matéria - acrescentou Dino.

O DEM vinha obstruindo, quase que de forma isolada, a votação da proposta, há mais de um mês. O PSDB votou a favor do projeto.

- O PSDB foi ao STF na questão da fidelidade, mas entende que essa matéria deve ser decidida pelo Congresso. A janela flexibiliza mudanças que não são necessariamente fisiológicas e atendem ao momento político - afirmou Bruno Araújo (PSDB-PE).

O relator do projeto, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), disse que a proposta dá aos que trocam de partido direito a ampla defesa. Os petistas também defenderam a proposta:

- Somos a favor da fidelidade partidária. Esse projeto apenas garante o devido processo legal. A resolução (do TSE) é inconstitucional e a Câmara cumpre seu dever de legislar - afirmou Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).

A sessão foi tensa, com bate-boca entre favoráveis e contrários à proposta. Presidente da CCJ, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi acusado de ser parcial e ditatorial. Ele discutiu com os deputados Gerson Peres (PP-AM) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) e foi rigoroso na contagem do tempo, cortando a palavra de deputados. E disse que não foi parcial.

www.oglobo.com.br/pais