Título: De refém a concorrente
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 07/07/2008, O Mundo, p. 19
Popularidade pós-resgate de Ingrid já faz frente à de Uribe
José Meirelles Passos *
Uma coisa é certa na Colômbia neste momento: se o presidente Álvaro Uribe não conseguir reformar a Constituição para permitir uma segunda reeleição consecutiva em 2010, Ingrid Betancourt pode chegar à Presidência. Pesquisas realizadas nos últimos dias - em meio à euforia pelo resgate da ex-senadora - e divulgadas ontem indicaram isso com clareza. Uma delas, do Centro Nacional de Consultoria, mostrou que, se a eleição fosse agora, Uribe teria 72% dos votos. Mas se ele não pudesse se candidatar e a disputa ficasse entre Ingrid e o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, outro personagem de destaque do resgate, 52% votariam nela e 40% nele.
Outro levantamento, do instituto Ipsos-Napoleón, não considerava a candidatura de Ingrid, dando como certa a reeleição de Uribe com 79%. Mas ao avaliar a popularidade de Ingrid, mostrou que o índice é de 79%. Ao ser seqüestrada, em 2002, este era de 24%. A aceitação de Uribe, que em março era de 84%, subiu para 91% depois do resgate. O ministro da Defesa, um dos estrategistas de operação, ficou com 76% de popularidade.
Pensa Ingrid em se candidatar? Ela não se lançou. Mas tampouco excluiu a opção. Primeiro disse que "não se oporia à ambição de Uribe de se reeleger", afirmando que sua primeira reeleição foi um golpe para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ela, no entanto, acrescentou que isso não significa que esteja de acordo com tudo o que Uribe tem feito. E arrematou dizendo que "certamente há outras pessoas interessadas em se candidatar". Perguntada se ela seria uma delas, respondeu:
- Continuo com a ilusão de servir à Colômbia. Na Presidência? Só Deus sabe. Neste momento quero me sentir apenas como um soldado mais a serviço da pátria - disse ela.
Programa de governo no cativeiro
Em entrevista sobre sua candidatura na revista "Semana", que chegou ontem às ruas, Ingrid foi adiante: "Ainda não tenho resposta. Tenho pensado nisso porque estão me perguntando muitas vezes. Cheguei à conclusão de que provavelmente volte, sim, à política, porque parece que é o meu destino. Mas não vou falar sobre isso agora."
Seu velho amigo, e também potencial candidato presidencial, Lucho Garzón, ex-prefeito de Bogotá, retirou virtualmente sua candidatura ao comentar que a volta de Ingrid à cena provocou "uma mudança nas lógicas da política". Ele disse que já se sentia derrotado, nessa disputa, com o reaparecimento da amiga:
- Ela apareceu com toda uma agenda política, e vai jogar de primeira. Eu a conheço, ela nunca joga de segunda - disse Garzón.
Ele se referia ao fato de que, no cativeiro, Ingrid manteve acesa a esperança da volta tanto física quanto política. Junto com o amigo e companheiro de Senado Luiz Eladio Pérez, também um ex-refém, ela elaborou um programa de governo com 190 pontos, anotado num pequeno caderno encardido de tanto uso:
- Não tenho dúvida de que ela será uma jogadora de primeira linha. É um personagem com reconhecimento altíssimo. Resta saber como ela, em liberdade, utilizará esse reconhecimento - disse Jorge Londoño, presidente do instituto Gallup colombiano.
Ex-senadora quer escrever peça
Em Paris, Ingrid começou a ter o gosto de uma vida quase normal, mesmo seguida por um batalhão de jornalistas. Almoçou num restaurante com o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin, amigo e seu ex-professor no instituto de Ciências Políticas de Paris. Ela contou ontem que pretende escrever uma peça de teatro sobre seu calvário, em entrevista ao "Journal du Dimanche". "Quero dar um testemunho sobre o que vivi, para que as pessoas compreendam que todos podemos ser anjos ou demônios para os outros", afirmou. Ingrid também falou aos ex-companheiros de cativeiro através da radio Caracol.
- Eu sei que a liberdade é para breve - disse, em emissão direta.
Ela começou saudando-os emocionada e disse que o governo francês lhe prometeu dar vistos e facilitar a vinda de ex-reféns para estudar na França.
O líder cubano Fidel Castro reforçou ontem o coro dos que pedem a libertação dos demais reféns. Em artigo publicado na imprensa local, Fidel pede às Farc que libertem os seqüestrados que ainda estão em seu poder. Ele não pede, entretanto, a deposição de armas pela guerrilha.
"Critiquei com energia e franqueza os métodos cruéis do seqüestro, mas não estou sugerindo a ninguém que deponha armas já que, nos últimos 50 anos, os que o fizeram não sobreviveram à paz", escreve Fidel no artigo.
(*) Colaborou Deborah Berlinck, de Paris