Título: Arma eficaz?
Autor: Solot, Steve
Fonte: O Globo, 08/07/2008, Opinião, p. 7

A Organização Mundial do Comércio (OMC) confirmou no mês passado que o Brasil venceu, na última instância, a disputa sobre a legalidade dos subsídios norte-americanos para o algodão. A decisão abre a possibilidade para que o país retalie o governo dos Estados Unidos, que poderão ser sanções em forma de suspensões de direitos de propriedade intelectual de titulares dos EUA, valendo-se do mecanismo da "retaliação cruzada,", ou seja, a retaliação não aplicada no mesmo setor dos produtos ou serviços em que ocorreu a controvérsia.

O algodão é uma lavoura protegida nos EUA e goza de subsídios e outros programas federais. Em 2003, o Brasil argumentou na OMC que os subsídios americanos deprimiam os preços internacionais, prejudicando as exportações brasileiras. Em 2005, o Brasil venceu a disputa. Mas os EUA não acataram a decisão e, em 2006, o Brasil abriu nova queixa. Em janeiro deste ano, o órgão voltou a condenar os EUA. Agora, não cabe mais recurso e o Brasil solicitará que a OMC defina o valor e as modalidades de retaliação permitidas.

Em geral, os países que retaliam em forma tradicional com aumentos de tarifas de importação causam pouco impacto em países de grandes economias, e podem até prejudicar o autor das retaliações. Setores prejudicados pelos subsídios americanos, como a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, acreditam que a ameaça aos direitos de propriedade intelectual é arma mais eficaz do que mecanismos tradicionais de retaliação, devido à importância das indústrias de entretenimento e farmacêutica para os EUA. Mas tanto o governo quanto os produtores brasileiros de algodão preferem que os EUA aceitem acabar com os subsídios, na Rodada Doha de negociações comercias na OMC.

No ano passado, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) apresentou projeto de lei para suspender a proteção de direitos de propriedade intelectual de empresas estrangeiras sediadas no Brasil que estiveram descumprindo obrigações multilaterais impostas pela OMC. E o Ministério das Relações Exteriores confirma que pediu autorização à OMC para a retaliação cruzada, embora ainda não decidisse se será usada.

Nos últimos meses, o governo Bush vem tentando convencer os estados do Sul que o Partido Republicano não abandonará os produtores de algodão. O setor é um dos importantes doadores de recursos aos candidatos. No mês passado, o Congresso dos EUA derrubou o veto do presidente ao projeto de lei agrícola de US$289 bilhões, o que significa que os subsídios agrícolas deverão seguir em vigor até 2012.

No entanto, o uso da retaliação cruzada merece análise para evitar um tiro no pé:

Se o Brasil suspendesse a proteção de direitos de propriedade intelectual dos EUA e bloqueasse as remessas de royalties, como pretende o projeto de lei, haveria um efeito negativo nas indústrias nacionais que utilizam esses direitos para produtos finais?

O aumento de preços e escassez de produtos provocaria o surgimento de um mercado negro e aumento da pirataria?

O cidadão brasileiro estará disposto a ser privado de assistir a um filme ou comprar um medicamento importado, devido aos danos causados ao setor brasileiro de agro-business?

Sem dúvida a medida seria contestada judicialmente por interferir na propriedade privada e estar em conflito com outros acordos sobre direitos de propriedade intelectual.

Já que uma nova apelação pelos EUA é impossível, a melhor estratégia pode ser esperar a definição do próximo passo pela OMC em três meses.

STEVE SOLOT dirige o Comitê de Propriedade Intelectual da Câmara de Comércio Americana (SP).