Título: Crise de alimentos, transgênicos na mira
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 06/07/2008, Economia, p. 31
AMEAÇA GLOBAL
País autoriza mais pesquisas de produtos modificados
Gustavo Paul
A crise mundial dos alimentos e a preocupação em dobrar, nos próximos dez anos, a produção brasileira de grãos aumentam a importância das pesquisas para melhorar a produtividade agrícola e relançam o foco - e a polêmica - sobre as pesquisas de transgênicos no país. Este ano, o número de pedidos de experimentos em meio ambiente de produtos geneticamente modificados está ascendente: já foram aprovados 49, mais da metade dos 85 liberados em todo o ano passado. Outros 33 pedidos estão na pauta da reunião de julho da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão que regula e libera as pesquisas e a comercialização dos produtos geneticamente modificados. A entidade ainda tem 74 relatórios de pesquisas já realizadas aguardando aprovação.
A maioria desses estudos é de sementes de grãos como milho, algodão, soja e arroz, mas também existem aqueles em torno do feijão resistente a vírus, da alface que servirá de vacina contra a leishmaniose, além de batata, laranja, tomate e mamão modificados. Os experimentos, feitos por multinacionais, mas também por Embrapa, Alellyx (do grupo Votorantim) e Coodetec (Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola), voltam-se ainda a espécies que podem aumentar a produção de madeira e biocombustíveis.
Só na reunião de junho foram aprovados 12 experimentos em campo com variedades transgênicas de eucaliptos, que prometem aumentar a qualidade da madeira e possibilitar um crescimento mais rápido da planta.
- Está aumentando o número de pedidos - diz Walter Colli, presidente da CTNBio.
Essa movimentação vem sendo acompanhada com atenção pelos ambientalistas, que advertem para a falta de conhecimento profundo sobre o efeito a longo prazo da transgenia no ser humano e na diversidade biológica. O Greenpeace teme que a biotecnologia prejudique os agricultores e a produção de alimentos.
- Pode-se ganhar a curto prazo, mas temos que pensar o país num horizonte de 20 a 30 anos - alerta Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace no Brasil.
A pressão ambientalista contra a transgenia é a principal responsável pelo fato de o Brasil ainda caminhar lentamente no que se refere à liberação comercial dos produtos geneticamente modificados. Em dez anos, apenas cinco sementes tiveram autorização para serem comercializadas no país: a soja resistente a herbicida, o algodão e algumas espécies de milho, estes últimos só no ano passado. São sementes plantadas em outros países, como Estados Unidos, Canadá, China, Índia e Argentina, há muito tempo.
Semente ilegal é chamada Maradona
A CTNbio acumula, desde 2003, dez pedidos feitos por multinacionais de sementes. Neste segundo semestre, deverá ser apreciada a liberação de uma espécie de algodão resistente a herbicida. Por precaução, para evitar questionamentos técnicos e políticos, Colli pediu cinco pareceres científicos de especialistas, que devem apresentar sua posição nos próximos meses.
Sem acesso a sementes que já existem em outros países e de olho nos ganhos proporcionados pelos transgênicos, o agricultor brasileiro continua tentado contrabandear. Desde 2004 têm ingressado sementes clandestinas de algodão no país. Em 2006, o Ministério da Agricultura constatou que 11% da produção local foram plantados com sementes contrabandeadas. As sementes obtidas com essa produção foram incineradas.
Para a Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), o cenário continua propício à atividade ilegal, mas os dados são frágeis e pouco confiáveis. Segundo José Américo Rodrigues, superintendente da entidade, cerca de 50% da soja plantada no Brasil ainda são de origem clandestina, na qual se inserem sementes contrabandeadas e as piratas.
Na década passada, foram contrabandeadas sementes de soja da Argentina apelidadas de Maradona: além de ser argentina, vinha com droga dentro. Atualmente, o ministério identificou outras, apelidadas pelos contrabandistas de Tevez, em alusão ao ex-jogador do Corinthians.
- O volume da semente contrabandeada não tem crescido: está estável. Mas ainda existe, pois se criou um vício de alguns produtores - diz Neumar Francelino, coordenador de Sementes e Mudas da Agricultura.
Para resolver a questão, dizem alguns especialistas, a solução é acelerar as pesquisas e a liberação das sementes transgênicas.
- Quanto mais demora, maior o risco de pirataria e contrabando, pois o agricultor quer ter os ganhos que a semente proporciona - diz Alda Lerayer, secretária-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), financiado pelos produtores de sementes.
Enquanto no Brasil ainda se discute a liberação de transgênicos da primeira geração, com um gene modificado, em outros países já se debate a segunda geração, com produtos mais resistentes e dois ou três genes modificados. Em 2011, os americanos devem lançar o milho resistente a seca.
- Outros países estão bastante adiantados nessas pesquisas, e o risco é ficarmos cada vez mais para trás, desperdiçando produção e áreas agricultáveis - afirma o professor José Maria Silveira, pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Unicamp.