Título: VarigLog: novos sócios, contrato ainda suspeito
Autor: Suwwan, Leila; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 08/07/2008, Economia, p. 21

Irmã de Lap Chan e empresário, que terão 80% do capital, pagarão mesmo valor que consta em acordo de gaveta.

BRASÍLIA. Acusado de usar testas-de-ferro em 2006 para burlar a lei que limita a participação estrangeira em empresas aéreas, o chinês Lap Chan está trocando de sócios brasileiros na VarigLog, mas usando artifícios similares aos da operação original. Sua irmã, Lup Ohira, e o empresário Peter Miller ficarão com 80% do capital votante por US$1,28 milhão (cerca de R$2,04 milhões), menos de um terço do valor aportado por empréstimo pelos três sócios brasileiros que foram afastados da companhia. O valor é equivalente ao "preço de exclusão" dos atuais sócios brasileiros no contrato de gaveta que foi omitido das autoridades brasileiras, conforme revelou O GLOBO em junho.

Lap Chan é sócio do fundo americano Matlin Patterson, que, por meio da empresa Volo Logistics LLC, associou-se a três empresários brasileiros para comprar a VarigLog - já que, segundo a lei brasileira, uma empresa aérea não pode ter mais que 20% de seu capital nas mãos de estrangeiros.

Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Luiz Gallo, porém, foram removidos da sociedade pela Justiça de São Paulo. Nesse processo, veio à tona um contrato de gaveta que dava a Lap Chan o direito de comprar as ações de cada sócio brasileiro por US$428 mil (US$1,284 milhão no total), sem qualquer motivo, com apenas um aviso prévio de 15 dias. O dinheiro está depositado em juízo. Mas, em seu despacho, o juiz José Paulo Magano, da 17ª Vara Cível de São Paulo, não determinou que o aporte de novos sócios tivesse de seguir essa regra.

O aporte de Lup Ohira (US$800 mil por 51%) e Peter Miller é considerado "insignificante" e "irrisório" por empresários do setor. A VarigLog, em estimativa feita pelo próprio Lap Chan em setembro de 2007, valeria US$400 milhões.

Anac espera liminar para analisar venda da VarigLog

A assessoria de Lap Chan diz que o valor de US$1,28 milhão não foi determinado segundo uma avaliação de mercado da empresa. Decidiu-se usar o mesmo parâmetro do juiz Magano: "Quando o juiz decidiu pelo afastamento, e depois pela exclusão dos três sócios brasileiros da empresa, usou como parâmetro o contrato de put and call (contrato de gaveta). Em razão da situação da empresa, achou-se esse valor justo naquele momento. A Volo, ao revender essas ações, decidiu usar o mesmo parâmetro dado pelo juiz".

Em entrevista à "Folha de S.Paulo" no domingo, Lup Ohira negou ser "laranja" ou testa-de-ferro, pois atuará diretamente na gestão da empresa com seu conhecimento de mercado financeiro, sobretudo para negociar ou esticar prazos dos empréstimos usados para injetar capital na VarigLog.

Porém, os sócios afastados da empresa afirmam que toda a briga aconteceu devido à redução desses prazos, por manobra e articulação de Lap Chan, sob consultoria do advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lup garantiu ainda que seu aporte de US$800 mil é proveniente de sua poupança pessoal, acumulada durante sua carreira no país. Ela e Miller são brasileiros naturalizados. Chan, criado no Brasil, não tem cidadania. O pedido de aprovação do repasse das ações, preparado pelo escritório de Teixeira, foi protocolado na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ontem, último dia do prazo concedido para readequação do quadro societário.

Liminar da Justiça de Brasília impede a cassação da concessão da VarigLog até a resolução da disputa empresarial. A agência recorreu dessa decisão e só irá analisar a transferência de ações se conseguir derrubar a liminar. Quando isso ocorrer, serão elaborados novos pareceres técnicos e jurídicos para comprovar a origem do capital. Não está claro se Lup Ohira e Peter Miller têm outros contratos assinados com o Matlin Patterson, de Lap Chan.

Segundo uma fonte do mercado, o desembolso que a irmã de Lap Chan vai fazer não é suficiente para, por exemplo, comprar um trem de pouso ou abastecer o MD-11 que compõe a frota da VarigLog. A empresa está em grave situação de caixa, e sua sobrevivência depende da liberação de recursos bloqueados pela Justiça e extensão de prazos de empréstimos realizados para injetar capital na aérea.

O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) entrou ontem com uma ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que o Ministério da Defesa não respondeu a seu requerimento, solicitando informações sobre o processo de aprovação da venda da VarigLog na Anac. O requerimento, uma prerrogativa constitucional para fiscalização entre os Poderes, solicitava cópia integral desse processo. Nele, há documentos ainda inéditos, como a declaração fraudulenta do escritório de Roberto Teixeira que negava a existência de contratos potencialmente ilegais na operação VarigLog. Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Defesa disse que responderá ao requerimento hoje.