Título: Sem biocombustíveis, petróleo subiria mais
Autor: Tanaka, Nobuo
Fonte: O Globo, 06/07/2008, Economia, p. 33

AMEAÇA GLOBAL: Tanaka diz que, diante da crise, consumidores também terão que mudar seu comportamento

Chefe da Agência Internacional de Energia (AIE) afirma que o etanol brasileiro é promissor e competitivo

PARIS. O preço do petróleo não vai voltar nunca mais aos níveis de dez anos atrás e pode aumentar ainda mais. Resultado: consumidores vão ter que mudar seu comportamento, países produtores de petróleo vão ter que investir mais na produção e países consumidores não terão outra saída que não seja buscar maior eficiência energética. É o que diz o japonês Nobuo Tanaka, diretor-geral da Agência Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris. Ele parte em defesa do etanol brasileiro, que, segundo ele, é muito competitivo. Reconhece que os biocombustíveis contribuíram para a alta dos preços dos alimentos, mas é categórico: sem biocombustíveis, "o preço do petróleo seria bem maior".

Deborah Berlinck

O senhor disse que o mundo vive o terceiro choque do petróleo. Qual o cenário mais positivo e o mais negativo como conseqüência disso?

NOBUO TANAKA: O peso do petróleo está ficando cada vez maior. Isso tem impacto muito grande nos países em desenvolvimento, especialmente os que não têm recursos. Nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne os países ricos), como os Estados Unidos, há destruição da demanda. Isto é: pessoas estão passando a usar carros menores, deixando de usar carro, e as companhias aéreas estão com problemas. Há muitas indicações de que a demanda está caindo nos EUA.

E nos países em desenvolvimento?

TANAKA: Alguns países em desenvolvimento contiveram o preço (ao consumidor) por meio de subsídios. Mas agora estão tendo que abrir mão dos subsídios porque não é sustentável. Indonésia, Malásia, Tailândia, Sri Lanka abriram mão. Índia e China aumentaram os preços para os consumidores. Os consumidores vão ter que mudar de comportamento.

Isso não é bom?

TANAKA: De fato, temos que viver com os altos preços. No primeiro e no segundo choque do petróleo, o Japão mudou dramaticamente sua estrutura econômica, tornando-a mais eficiente. O choque atual está empurrando China e Índia a um sistema energético mais eficiente.

O senhor não tem cenário positivo para o choque atual?

TANAKA: Se a alta de preços for transmitida para os consumidores e eles mudarem o comportamento, e o mercado de petróleo ficar menos apertado, a situação de mercado vai melhorar.

Podemos esperar mais aumento de preços do petróleo?

TANAKA: Há vários projetos de investimentos anunciados por Arábia Saudita, Kuwait, Iraque. Mas precisamos de mais projetos de investimentos.

O senhor acha que estes investimentos vão estabilizar o preço?

TANAKA: Estabilizar, provavelmente. Mas não vamos mais voltar aos níveis de dez anos atrás.

O que os países devem fazer?

TANAKA: Os países produtores, investir. E os países consumidores precisam fazer mais em matéria de eficiência energética e conservação de energia. Precisam investir mais em energias alternativas. O desafio é duplo: segurança energética e mudanças climáticas.

O senhor faz um apelo a uma revolução energética?

TANAKA: Exatamente. A revolução energética é necessária para lidar com o problema da mudança climática, porque temos que reduzir em 50% até 2050 as emissões de CO (dióxido de carbono emitido na atmosfera por uso de combustíveis fósseis, como petróleo).

Sua agência calculou que esta revolução energética vai custar um investimento de US$45 trilhões. Países como EUA resistem a esta revolução.

TANAKA: Os preços altos vão levar os países nesta direção. Onde está indo o ganho com o alto preço do petróleo? Hoje vai para os países produtores. Mas se houver investimento em energia renovável e eficiência energética, este ganho vai voltar para os países consumidores. Não há saída.

Que papel a especulação está tendo na alta de preços?

TANAKA: Não negamos que há especulação. Especulação, dólar fraco e riscos geopolíticos estão amplificando o nível de preço do petróleo. Mas sem mudar a situação de oferta e demanda, não vamos nos livrar da especulação. Só acusar especuladores não vai resolver o problema.

O aumento da demanda continua em países como China e Índia, apesar do preço elevado.

TANAKA: A grande questão é: o quão resistente são as economias da China e da Índia. Por causa dos preços altos e do alto crescimento, o peso fiscal de subsidiar preço do petróleo está ficando cada vez maior. Impossível manter isso para sempre.

O Brasil fez importantes descobertas de petróleo recentemente. O senhor vê o país como grande exportador?

TANAKA: Certamente. Isso pode levar algum tempo, porque é em mar profundo. O Brasil também é um país muito competitivo em produção de etanol à base de cana-de-açúcar. Acho que o Brasil terá um futuro interessante para o crescimento econômico.

O senhor acha justo responsabilizar biocombustíveis pela alta de preços de alimentos?

TANAKA: Há diferentes tipos de biocombustíveis. Alguns são muito competitivos, como os de cana-de-açúcar no Brasil. E outros precisam de subsídios. Estamos dizendo o seguinte: sim, biocombustíveis contribuíram para os altos preços dos alimentos. Mas sem biocombustíveis, o preço do petróleo poderia ser bem maior. Biocombustíveis representam um milhão de barris por dia. Mas achamos que é preciso verificar com cuidado a sua sustentabilidade (dos biocombustíveis). Estamos recomendando muito o desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração.

O Brasil conta em ter maior fatia para seu etanol no mercado mundial.

TANAKA: O etanol brasileiro é muito competitivo. O comércio de etanol é muito taxado. Se isso mudar, o futuro do etanol brasileiro é muito promissor.

Alguns dizem que a Europa errou ao estabelecer que, até 2020, um total de 10% da energia usada em transportes deve ser de biocombustível.

TANAKA: Às vezes metas como essa são necessárias para promover novas tecnologias ou alternativas. O problema é que há tantas metas para energia alternativa, eficiência energética. E algumas destas metas são contraditórias.