Título: Lula vai defender etanol e corte de subsídios em encontro com o G-8
Autor: Oliveira, Eliane ; Scofield Jr, Gilberto
Fonte: O Globo, 06/07/2008, Economia, p. 33

Emergentes querem ampliar agenda de temas a serem discutidos com ricos

Eliane Oliveira e Gilberto Scofield Jr.*

BRASÍLIA, PEQUIM e BUENOS AIRES. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca hoje para o Japão disposto a inserir na agenda da reunião do G-8 (EUA, Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália, Reino Unido e Rússia) a inflação global de alimentos, a alta do petróleo e os biocombustíveis. Articulado com os colegas do G-5 (Brasil, África do Sul, Índia, China e México), Lula quer ampliar o leque de assuntos a serem tratados no encontro entre emergentes e desenvolvidos, na quarta-feira.

- Não queremos só a sobremesa - resumiu uma fonte do governo brasileiro.

O G-8 se reúne num luxuoso hotel na ilha de Hokkaido, a 70 quilômetros da cidade de Sapporo, entre os dias 7 e 9. Desta vez, as conversas entre G-8 e G-5 - normalmente restritas a um almoço - durarão seis horas, um recorde. O desafio é ampliar a agenda do Processo de Heiligendamm, que estabeleceu como temas desenvolvimento, energia, inovação e investimentos.

- Lula e os demais líderes do G-5 desejam dar ênfase às questões do aumento dos preços dos alimentos e dos biocombustíveis - disse, na quinta-feira, o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach.

O presidente quer transmitir a mensagem de que os biocombustíveis não podem ser culpados pela inflação dos alimentos. Além da forte demanda global, Lula destacará a especulação nas bolsas decorrente da crise imobiliária americano e a desvalorização do dólar. Países pobres e em desenvolvimento acabaram sendo afetados e, no caso do Brasil, criticados por buscarem fontes de energia limpa, explicaram fontes.

Sobre a inflação de alimentos e petróleo, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que o Brasil "é parte da solução, não do problema":

- Temos de desmascarar os interesses em jogo. Todos sabem que o etanol é necessário.

Lula defenderá, mais uma vez, o fim dos subsídios agrícolas nos países ricos. Sua estratégia é fazer com que o G-5 cobre de europeus, americanos e japoneses um acordo, até o fim de julho, na Rodada de Doha.

A articulação do G-5 ocorrerá na terça-feira, véspera do encontro com o G-8. Os chefes de Estado dos países emergentes vão discutir situação econômica internacional, segurança alimentar, energia, aquecimento global e desenvolvimento.

- O G-5 pode incluir esses temas na agenda, mas não será fácil - disse Denise Gregory, diretora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Milhares protestam e quatro são presos no Japão

O presidente do Banco Mundial (Bird), Robert Zoellick, enviou na semana passada uma carta ao G-8 alertando para os efeitos dessa crise nos países mais pobres. Ele pediu uma ajuda imediata de US$10 bilhões dos ricos para evitar a fome e a instabilidade política nos países mais afetados. Zoellick disse que a crise não é uma "tsunami silenciosa", mas "uma catástrofe produzida pelo homem".

Já as ONGs vão mirar os programas de biocombustíveis de União Européia e EUA, baseados em milho e outros alimentos, além dos subsídios à produção de etanol. Estudo da ONG inglesa ActionAid afirma que a alta de 82% nos preços das commodities agrícolas desde 2006 empurrou 260 milhões de pessoas para a fome. Segundo o estudo, os subsídios agrícolas de EUA e Europa para o etanol variam entre US$16 bilhões e US$18 bilhões ao ano, quatro vezes mais do que a ajuda alimentar dos países pobres.

- A alta na produção de biocombustíveis e o maior impacto das mudanças climáticas se somaram a uma incomparável redução da ajuda agrícola dada pelos ricos e representam uma enorme ameaça aos países pobres - disse Tom Sharman, diretor da ActionAid.

Lula também terá vários encontros bilaterais. Estão previstas audiências com os presidentes George W. Bush (EUA), Hu Jintao (China) e Dmitri Medvedev (Rússia); e com os primeiros-ministros Silvio Berlusconi (Itália), Stephen Harper (Canadá) e Yasuo Fukuda (Japão).

Ontem, manifestantes contrários à globalização tomaram as ruas de Sapporo, em protesto contra a reunião do G-8. Quatro japoneses foram presos, segundo a polícia local.

(*) Correspondente, com Janaína Figueiredo, de Buenos Aires