Título: Velha Varig à sombra de um calote de R$11 bi
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 06/07/2008, Economia, p. 34

Com receitas minguadas, companhia pode ter de enfrentar falência este mês. Maior parte da dívida é com governo

Geralda Doca

BRASÍLIA e RIO. O governo fez esforços para salvar a Varig, enfrenta agora um desgaste político pela interferência da Casa Civil, mas tudo isso não deverá impedir um calote de R$10,7 bilhões, a maior parte com credores estatais. Segundo fontes ligadas ao processo de recuperação da parte antiga da companhia, hoje R$5,3 bilhões são devidos às três classes de credores - que incluem trabalhadores, o fundo de pensão Aerus, Banco do Brasil, Infraero, BR e pequenos fornecedores. Outros R$5,4 bilhões se referem a dívidas tributária e previdenciária, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

No dia 17, acaba o prazo de recuperação judicial de dois anos, período em que a parte da companhia que não foi vendida - a Flex (nome fantasia da Nordeste), a Viação Aérea Riograndense e a Rio Sul - contou com proteção da Justiça. Agora, a falência poderá ser pedida.

Além disso, o grupo ficará vulnerável às investidas da Fundação Ruben Berta (FRB), a ex-controladora da Varig que muitos consideram a algoz da companhia. Afastada, a FRB já tem planos de voltar ao poder.

Ainda que a Vara Empresarial do Rio consiga brechas na lei para que o grupo continue em recuperação judicial, como o juiz Luiz Roberto Ayoub tem indicado que tentará, a Flex - a parte ativa da velha Varig - não tem caixa suficiente para chegar ao fim do ano. Entre maio de 2007 e abril deste ano, a empresa registrou um fluxo negativo de R$10,7 milhões. Com um avião apenas, sem slots (autorização de pousos e decolagens) em Congonhas, especialistas avaliam que a companhia não tem chances de crescer.

- Essa empresa não tem viabilidade. É calote na certa. Se a empresa não conseguiu honrar suas dívidas, que eram menores há dois anos, quando ela tinha uma rede internacional vastíssima e cobria todo o mercado doméstico, muito menos agora - acredita Paulo Sampaio, diretor da Multiplan Consultores Aeronáuticos.

- Não vejo saída a curto prazo a não ser a falência - diz Vladimir L. Silva, diretor da consultoria Instituto Cepta.

Para um executivo do setor que não quis ser identificado, os principais credores da Varig já assumiram o passivo em seus balanços, e o débito com a Fazenda Nacional já foi inscrita na dívida ativa:

- Prolongar o prazo é iludir os trabalhadores.

Segundo Graziella Baggio, presidente do Sindicato dos Aeronautas, dos 9.500 funcionários, cerca de sete mil foram absorvidos por outras empresas. Mas há milhares de ações trabalhistas contra a Varig, e 6.329 trabalhadores que contribuíram para o Aerus poderão ficar sem seus direitos. Dos R$5,3 bilhões devidos às três classes de credores, mais da metade é do Aerus, diz o fundo.

A Flex tem poucas fontes de receitas. Uma é um contrato com a nova Varig - que foi vendida à VarigLog e revendida à Gol. Quem compra passagem da Gol viaja no avião da Flex na rota Rio-Manaus. A outra são os vôos fretados nos fins de semana - pouco rentáveis, na opinião de analistas. Uma pequena parte dos ganhos vem dos serviços prestados pelo centro de treinamento e do aluguel de imóveis.

A Flex ainda está brigando, sem muito êxito, para receber R$37,8 milhões da VarigLog e R$31,7 milhões da nova Varig. Em seu último relatório, a Deloitte, administrador judicial, diz que a continuidade das operações depende desses créditos.

Segundo credores ouvidos pelo GLOBO, são pouquíssimas as chances de a velha Varig pagar as dívidas. A única esperança é a ação que a empresa move contra o governo pela perdas decorrentes do congelamento tarifário do governo Sarney - causa já ganha pela Transbrasil. A Varig já obteve ganho no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas a União recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e promete entrar com novos recursos se o acórdão não for favorável.

A companhia diz que tem R$7 bilhões a receber, mas, segundo fontes do Ministério Público Federal, o governo não reconhece essa dívida, pois todos os brasileiros teriam pagado pelo congelamento de preços. Além disso, ponderou Sampaio, dois terços das receitas na época eram de embarques internacionais, cujas tarifas não foram afetadas.

COLABOROU Erica Ribeiro