Título: Quadrilha de bilhões
Autor:
Fonte: O Globo, 09/07/2008, Economia, p. 19

Obanqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, o megainvestidor Naji Nahas, tido como responsável pela quebra da Bolsa do Rio em 1989, e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta foram presos ontem, pela Polícia Federal, com outras 14 pessoas. Segundo a PF, Dantas e Nahas comandavam um dos maiores esquemas de remessa ilegal e lavagem de dinheiro já identificado no país. Pitta seria beneficiário. Pelo esquema, teriam passado bilhões de reais, boa parte fruto de corrupção e atividades criminosas. Dantas foi ainda acusado de tentar subornar policiais federais, com US$1 milhão, para que fosse excluído das investigações.

No total, 24 pessoas tiveram a prisão decretada (15 em São Paulo e nove no Rio) pelo juiz da 6ª Vara Criminal de São Paulo, Fausto de Sanctis. Até ontem à noite, sete não haviam sido capturadas. Na operação, as autoridades apreenderam cerca de R$1 milhão em dinheiro e três carros importados. A PF cumpriu ainda 56 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio, Bahia e DF, na operação batizada Satiagraha - que significa "resistência pela verdade", em referência ao conceito empregado por Gandhi no início do século XX.

A operação é um desdobramento do escândalo do mensalão, em que parlamentares foram acusados de receber propina para apoiar projetos do governo federal. A pedido da Procuradoria Geral da República alguns envolvidos no escândalo foram investigados pela PF em São Paulo.

Advogado de Dantas vê Estado policial

O Opportunity entrou na mira da PF devido ao grande volume de dinheiro enviado por Telemig Celular e Amazonas Celular, pertencentes a Dantas, para as contas do publicitário Marcos Valério de Souza. Com isso, a PF chegou a um disco rígido (HD) de computador do banco e ao Opportunitty Fund, offshore com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, que movimentou US$1.979.543.873,46 (R$3,2 bilhões) entre 10 de dezembro de 1994 e 23 de junho de 2004.

O fundo, isento de IR, é voltado a investidores estrangeiros, mas, com base nas informações do HD, a PF descobriu vários subfundos que alimentavam o Opportunity Fund com dinheiro de investidores brasileiros.

Para a PF, Dantas e Nahas seriam chefes de "organizações criminosas" que na maior parte do tempo agiram de forma isolada. Mas, para o delegado Protógenes Queiroz, chefe da operação, os dois se associavam em negócios pontuais. Para isso, segundo a PF, as quadrilhas se valiam de práticas como escutas telefônicas ilegais, suborno de servidores públicos em troca de informação privilegiada e manipulação de veículos de imprensa plantando notícias falsas sobre adversários. Segundo a PF, Nahas chegou a usar dados sigilosos do Federal Reserve (Fed, o BC americano).

O grupo é acusado de evasão de divisas, crime contra o sistema financeiro, gestão fraudulenta, operação ilegal de instituição financeira, concessão de empréstimos vedados, uso indevido de informação privilegiada, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e formação de quadrilha. Não existem, por enquanto, indícios de que dinheiro do "valerioduto" tenha passado pelo esquema. Entre os presos, o único que tem relação com o mensalão é Lucio Bolonha Funaro, dono da Garanhuns, empresa que tirou R$4 milhões de parlamentares de PT e PL.

Os presos ficarão sob custódia da PF em São Paulo. Os nove detidos no Rio chegaram às 19h de ontem à carceragem. Além de Dantas e sua irmã, Verônica, foram presos no Rio: Daniele Ninnio, Arthur Joaquim de Carvalho, Eduardo Penido Monteiro, Dorio Ferman, Itamar Benigno Filho, Norberto Aguiar Tomaz e Maria Amália Coutrim. Dantas, Pitta e Nahas ficarão em celas individuais. Dos 24, 22 tiveram prisões temporárias decretadas por cinco dias (renováveis por mais cinco). Dois deles, suspeitos de tentarem subornar um delegado da PF, ficarão presos por pelo menos 30 dias. Nahas, chegou à carceragem da PF paulista às 22h. Ele passou o dia acompanhando os agentes, durante as diligências em seus escritórios.

O advogado Nélio Machado disse ontem que seu cliente Daniel Dantas foi preso injustamente sem ter tido direito de se defender.

- Estamos vivendo um momento em que o Estado policial está prevalecendo ao Estado de Direito constitucional - disse, acrescentando que Dantas vem sendo perseguido já há algum tempo, e acredita que o caso tem ligações com a operação de venda da BrasilTelecom (Brt) para a Oi.

Machado garantiu que Dantas não tem ligação com Nahas nem Pitta:

- Não vi ninguém, nenhuma personalidade do PT ser presa até agora.

A advogada do ex-prefeito Celso Pitta, Paula Sion de Souza Naves, disse que não teve acesso aos detalhes que motivaram a operação, mas classificou a prisão de seu cliente de "sensacionalista", em razão de o fato ter sido divulgado antes à imprensa.

O advogado de Nahas, Sérgio Rosenthal, disse não ter conhecimento dos detalhes da operação.

COLABORARAM Antonio Werneck e Ramona Ordoñez

DANTAS TERIA OFERECIDO US$1 MILHÃO PARA SE LIVRAR DAS INVESTIGAÇÕES, na página 20