Título: A polêmica verde
Autor: Rocha, Leonel
Fonte: Correio Braziliense, 18/05/2009, Brasil, p. 8

Conjunto de proposições em tramitação no Congresso pode mudar radicalmente a legislação brasileira. Projetos opõem ambientalistas e agricultores e dividem ministros do governo.

Está em tramitação no Congresso Nacional um conjunto com pouco mais de 40 proposições apresentadas por senadores, deputados e pelo Executivo ¿ por meio de medidas provisórias ¿ que, se aprovado, desmonta a atual política ambiental. São projetos de lei e de decretos legislativos na Câmara e no Senado tentando impedir ou limitar a aplicação das legislações que punem crimes ambientais e impõem regras para a produção agropecuária no país. As alterações propostas modificam textos aprovados pelo próprio Legislativo desde a década de 1960. Essa espécie de ¿pacote antiambiental¿ é ampla. Revisa desde os limites de parques ecológicos e o funcionamento e tamanho de reservas e unidades de conservação com reconhecida importância científica até a legislação que regulamenta a produção e comercialização de produtos transgênicos (veja quadro).

Um dos projetos de lei mais abrangentes é do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Ele propõe alterar o Código Florestal Brasileiro, instituído em 1965. A iniciativa permitiria a recomposição de áreas degradadas na Amazônia com espécies exóticas ao bioma e até ao Brasil, como o pinus e o eucalipto. Na Câmara, um projeto idêntico, pronto para ser votado desde o ano passado, tenta permitir a recomposição de metade da área degradada por árvores de outras regiões. A senadora Marina Silva (PT-AC), que deixou o Ministério do Meio Ambiente há pouco mais de um ano, entregou na semana passada ao presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), uma lista com projetos que, na opinião dela, representam um retrocesso na legislação ambiental.

O Senado começa a apreciar esta semana a Medida Provisória 458, aprovada na última quarta-feira pelos deputados. Editada pelo governo na tentativa de regularizar o caos fundiário nos nove estados da Amazônia Legal, a proposta vai ganhar novas emendas dos senadores. Entre elas, a que prevê a redução de 80% para 50% da área de preservação permanente das fazendas exploradas até o começo da década de 1980 ¿ antes da atual legislação, que ampliou os tamanhos das reservas legais e áreas de preservação, limitando a atividade agropecuária a 20% das propriedades.

Na próxima quarta-feira, o pacote ganha mais um reforço. A bancada ruralista vai apresentar a proposta de um novo código para a legislação do setor, em substituição ao atual Código Florestal. Pelo projeto, as assembleias legislativas de cada estado poderão aprovar leis ambientais específicas, como ocorreu em Santa Catarina há quase dois meses. ¿É um pacote de maldades. No momento em que o mundo discute as mudanças climáticas e o combate às emissões de carbono, a aprovação dessas mudanças poderá constranger o Brasil nos fóruns internacionais¿, alerta o dirigente da organização não governamental SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) apresentou dois projetos de decreto legislativo. O primeiro deles busca sustar os efeitos do decreto presidencial que regulamenta a lei de crimes ambientais. A parlamentar, que também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), considera a iniciativa do governo inconstitucional, porque estaria usurpando poderes e legislando por meio de um instrumento inadequado para isso. Ela também questiona a capacidade administrativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de chancelar ou não o georreferenciamento de cada fazenda no processo de recadastramento de cada propriedade, exigência para a obtenção de crédito.

O outro projeto de decreto legislativo da senadora aponta a inviabilidade operacional da identificação de carnes oriundas de animais alimentados com rações que utilizam transgênicos na sua composição. ¿Nós, produtores rurais, além de preservarmos o meio ambiente por uma questão de saúde humana, da preservação das futuras gerações e dos nossos ecossistemas, temos um plus: a preservação ambiental tem tudo a ver com o nosso ganho econômico-financeiro¿, explica Kátia Abreu.

Divisão As medidas em tramitação dividem os parlamentares da base governista e até os ministros do governo. Enquanto o responsável pela pasta do Meio Ambiente, Carlos Minc, tenta evitar a modificação no Código Florestal, o seu colega da Agricultura, Reinholds Stephanes, articula para conseguir as alterações.

Minc admite alguma flexibilização para que a lei federal preveja regras estaduais adaptadas a cada bioma. Hoje, algumas diferenças estão previstas e são aplicadas. Um exemplo é o tamanho das reservas legais e áreas de preservação permanente. Na Amazônia, por exemplo, os fazendeiros só podem explorar 20% de cada propriedade. No Sul e no Sudeste, a parte onde pode haver produção é de 80%. ¿O país pode se desenvolver sem necessidade de comprometer seu patrimônio ambiental¿, comentou o coordenador da Frente Ambientalista, deputado Sarney Filho(PV-MA).

Minc estuda a adoção de medidas para que os pequenos e médios agricultores sejam dispensados de criar uma área de preservação permanente e outra, separada, de reserva legal. A aliança entre ambientalistas de dentro e fora do governo e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pretende aprovar leis que simplifiquem o processo de cadastramento das pequenas propriedades e o pagamento pelos serviços ambientais pela manutenção de áreas de florestas e de nascentes intactas.