Título: Prisão de Daniel Dantas abre guerra na Justiça
Autor: Farah, Tatiana;
Fonte: O Globo, 12/07/2008, Economia, p. 27
Presidente do Supremo Tribunal Federal pede que corregedoria investigue conduta de juiz que ordenou detenção
Tatiana Farah, Soraya Aggege, Ricardo Galhardo e Carolina Brígido
SÃO PAULO e BRASÍLIA. As decisões anunciadas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em relação ao caso de Daniel Dantas abriram uma verdadeira guerra no Judiciário. Procuradores e juízes federais se juntaram nas críticas contra Gilmar e em defesa do juiz da 6ª Vara Federal de São Paulo, Fausto de Sanctis, que por duas vezes determinou a prisão do banqueiro. Por sua vez, a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a pedido de Gilmar, vai investigar se houve algum tipo de desvio na conduta profissional de De Sanctis.
A onda de protestos começou com uma carta assinada por 42 procuradores da República de diversos estados, que classificaram a argumentação de Gilmar para a primeira libertação de Dantas como "pífia". Mas o pico da revolta foi o documento assinado por 130 juízes federais do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), seção que reúne São Paulo e Mato Grosso do Sul. Para os juízes, a atitude de Gilmar ao mandar investigar a conduta do juiz da 6ª Vara Criminal coloca em risco a independência do Judiciário.
O manifesto dos juízes tem o objetivo de "mostrar indignação" com a atitude do ministro Gilmar Mendes, por ter encaminhado na quinta-feira cópia do despacho em que concedeu habeas corpus a 11 investigados na Operação Satiagraha, presos por determinação do juiz paulista, para ser investigado pelas corregedorias do CNJ, do Conselho da Justiça Federal e do TRF-3. No texto, Gilmar não explicou a razão do envio do documento ao CNJ.
Juiz é acusado de monitorar gabinete de Gilmar Mendes
Caso seja identificada irregularidade nas decisões, o órgão abrirá um procedimento administrativo para investigar o magistrado. Se for condenado, estará sujeito a várias punições, que vão desde uma simples advertência até a aposentadoria compulsória.
"Não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico. Ao contrário, a independência de que dispõe o magistrado para decidir é um pilar da democracia e princípio constitucional consagrado", diz o manifesto.
A presidente do TRF-3 (de segunda instância), desembargadora Marli Ferreira, também emitiu uma nota na noite de ontem, mas sem tomar partido. Marli escreveu, no entanto, que juízes "contrariam interesses" e que esperava que a polêmica, dos dois lados, resultasse no "bom combate".
"O apelo que o Poder Judiciário sempre fez e fará aos milhares de juízes deste país, federais, estaduais, trabalhistas, militares, é que nunca se verguem ante interesses subalternos, pois ceder à campanha que se arma para desonrar qualquer de seus membros é amesquinhar a função judicial de aplicar e dizer o direito", afirmou ela.
Já os 42 procuradores da República disseram que é um dia de luto para as instituições democráticas brasileiras. Eles criticavam a decisão do presidente do STF para a primeira libertação de Dantas, que teria sido tomada "em tempo recorde, sob o pífio argumento de falta de fundamentação". Os procuradores chamam a decisão, ainda, de "inédita" e "absurda", e acusam o STF de suprimir a participação das instâncias do TRF e do Superior Tribunal de Justiça.
A Associação dos Juízes Federais do Estado de São Paulo (Ajufesp) emitiu nota de solidariedade a Fausto de Sanctis. Assinada pelo presidente da entidade, Ricardo de Castro Nascimento, o documento fala do caráter do juiz federal, que ontem foi acusado de monitorar, por meio de agentes da Polícia Federal, o gabinete do presidente do Supremo.
"Não faz parte do caráter do juiz em questão a prática de monitoramento de integrantes da cúpula do Poder Judiciário, sobretudo do Supremo Tribunal Federal. Temos a certeza de que esse fato divulgado pela imprensa será devidamente esclarecido", escreveu o presidente da Ajufesp.
De Sanctis negou categoricamente que tenha autorizado o monitoramento de "pessoas com prerrogativa de foro".
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nota de apoio ao juiz federal e ao procurador Rodrigo De Grandis, que investiga o caso:
"Ambos têm desempenhado o papel que lhes cabe dentro do Estado Democrático de Direito ao requerer e determinar a prisão preventiva do senhor Daniel Dantas e outras pessoas acusadas de tentarem obstruir ou impedir a investigação policial e a conseqüente ação criminal voltadas à apuração dos gravíssimos fatos que são do conhecimento da Nação", afirma nota do presidente da ANRP, José Taumaturgo da Rocha.
A Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) também divulgou nota manifestando indignação em relação à libertação de Dantas.