Título: Peça Vital
Autor: Maia, Cesar
Fonte: O Globo, 14/07/2008, Opinião, p. 7

Em 2008 completam 200 anos do nascimento do general Osório, oficial de cavalaria. Foi o militar brasileiro mais importante na definição das fronteiras brasileiras, na mais crítica e disputada região, a sul, por 400 anos. Os rios da Prata, Paraná, Uruguai e Paraguai serviram de cenário para fronteiras que oscilavam permanentemente. Com a chegada da família real, duas regiões foram ocupadas pelo Brasil: ao norte, a Guiana Francesa e, ao sul, a província Cisplatina. As províncias do Prata, especialmente Buenos Aires, disputaram com o Brasil o controle da antiga Banda Oriental, guerra que terminou no final dos anos 1820, com a criação, pelos dois países, do Uruguai como país tampão, entre eles. Mas as fronteiras continuaram móveis, e a Revolução Farroupilha é expressão disso.

Osório, filho de ex-militar e que nunca quis ser militar, começou sua carreira lutando contra os insurgentes farroupilhas. Nunca cursou academia e se formou nas batalhas. Na fase final da guerra civil, já sob o comando político e militar de Caxias, destacou-se. Foi decisivo para a derrubada de Oribe e para a estabilização do Uruguai e das fronteiras. Na mesma época, a posição agressiva de Rosas, ditador argentino, desestabilizou a questão dos limites territoriais. Urquiza somou-se ao exército brasileiro do sul derrubando Rosas, em Monte Caseros, em 1852. Osório e seu batalhão desfilaram por Buenos Aires com as tropas vitoriosas de Urquiza, governador de Entre Rios.

Na Guerra do Paraguai, contra a primeira ofensiva do ditador López, em Uruguaiana, Osório formou um exército sem treinamento. Foram os primeiros a pisar em solo paraguaio após Passo da Pátria. Comandou a vitoriosa Batalha do Tuiuti, a mais importante da História das Américas, quando López jogou sua maior cartada. Ferido, ausentou-se para recuperação, quando o exército aliado sofreu em Curupaiti sua derrota na Guerra do Paraguai. Quando Caxias assumiu o comando no final da guerra, Osório era peça vital, como militar e mito. Ferido com um tiro no rosto, retornou ao Rio Grande do Sul para tratamento. O Exército parou na sua ausência. Passou por Buenos Aires, onde o presidente Mitre fez um discurso em sua homenagem que nenhum outro brasileiro recebeu. De volta à guerra, passou em revista a tropa com seu poncho e lenço cobrindo o ferimento e foi ovacionado. Após a guerra, voltou ao sul e, depois, eleito senador, veio para o Rio, onde foi recebido nas ruas como herói. Certamente, é o militar com a maior recepção espontânea da população. Intrigas o afastaram de Caxias. As questões da guerra ¿ especialmente Humaitá ¿ produziram no Senado polêmica estéril que deprimiu os dois grandes chefes militares, políticos na época.

Osório morreu como ministro da Guerra em sua casa, na Rua do Riachuelo, no Rio. General de campo, poucos nas Américas se igualaram a ele. Bolívar foi um estadista, muito mais que um grande general. Após a primeira independência da Colômbia, no período napoleônico, não esteve à frente do exército nas grandes batalhas, o que coube ao general Sucre, no Peru e no Equador, e a San Martin, no Chile e no Peru. Osório se alinha, em importância e capacidade, a esses dois grandes generais. A República Velha desfez o mito Osório por sua condição de general do Império. Quando ele e Caxias foram reabilitados, coube ao último, já nos anos 30, a condição de Patrono por ter sido o líder militar na unidade interna territorial. Mas Osório, nas lutas em defesa das fronteiras externas, é o mais importante oficial de campo da História do país e um dos três grandes das Américas até o século XIX. Seus restos mortais ficaram no Rio até 1993, quando retornaram à sua terra, por iniciativa do Exército, em parceria com a Prefeitura do Rio.