Título: Solange ajuda a enterrar proposta na CCJ
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 10/07/2008, O País, p. 3

Deputada era a única mulher na comissão; religiosos comemoram e feministas protestam

BRASÍLIA. Por ampla maioria e numa forte ação de setores religiosos, deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeitaram ontem projeto que legalizaria o aborto no país. A proposta, que tramita na Câmara há 17 anos, foi considerada inconstitucional e derrotada por 30 votos contra apenas quatro favoráveis. A sessão foi marcada por muita polêmica, debates e atitudes teatrais para chamar a atenção. O deputado Carlos Willian (PTC-MG), contra o projeto, chegou a exibir um caixão de um bebê e levou dois bonecos a tiracolo, que representavam crianças.

Principal defensor do fim da criminalização dessa prática no país, José Genoino (PT-SP) tentou todas as manobras para postergar a votação. Ciente de que seria derrotado, o petista buscou obstruir o processo o tempo inteiro, mas foi em vão. Genoino criticou a pressa em votar o projeto e acusou os parlamentares de correrem contra o tempo para explorar esse tema nas campanhas eleitorais.

- É uma corrida eleitoreira. É um assunto que envolve religião, ética e filosofia e deve ser debatido com calma - disse o deputado.

Cunha: ser contra o projeto é a razão do meu mandato

O relator do projeto, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deu parecer contrário. Ele julgou a proposta inconstitucional, com base no artigo que assegura o direito à vida. Evangélico, ligado à igreja Sarah Nossa Terra, Cunha comemorou o resultado:

- Se nada tivesse feito até hoje na Câmara, esse projeto já seria a razão do meu mandato.

Ao rebater o argumento dos favoráveis ao projeto, de que a mulher tem autonomia sobre o seu corpo, Eduardo Cunha afirmou.

- A mulher pode ter direito ao seu cabelo, à sua unha, mas não ao feto que carrega no seu ventre - afirmou o deputado.

Durante a votação, dois deputados - Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG) - passaram parte da sessão com cartazes pendurados nos pescoços com imagens de fetos supostamente abortados. As imagens mostravam os métodos do abortamento: aspiração e envenenamento. Martini disse que, se o projeto fosse aprovado, o melhor era legalizar o tráfico de drogas e oficializar a profissão de traficante.

- Dizem que há católicos que defendem o aborto. São falsos católicos, que já estão excomungados. Todos nós só estamos aqui hoje falando e discutindo porque nossas mães não procuraram uma clínica e não nos abortaram - afirmou Martini.

Manifestantes a favor e contra o aborto assistiam à sessão. Maioria no plenário, os militantes de movimentos religiosos aplaudiam declarações contrárias ao aborto. Em menor número, mulheres ligadas a entidades feministas colocaram uma mordaça de fita roxa na boca no momento da votação.

- É lamentável que a discussão seja religiosa e não se concentre no aspecto jurídico. Mais triste ainda é ver uma comissão, formada 99% por homens, decidir sobre a saúde reprodutiva da mulher - disse Kauara Rodrigues, assessora técnica do Cfêmea, um grupo feminista que defende a legalização do aborto.

Genoino tentará levar projeto para o plenário

Os católicos distribuíram panfletos com dizeres "Aborto: crime que brada ao céu e clama Deus por vingança". No final, após a votação, religiosos comemoraram abraçados a parlamentares e, de mãos dadas, rezaram o "Pai Nosso".

O projeto, de autoria dos ex-deputados petistas Eduardo Jorge (SP) e Sandra Starling (MG), pode ser votado ainda no plenário. Genoino começou a colher as 51 assinaturas necessárias para levar o texto que descriminaliza o aborto para ser votado por todos os 513 parlamentares.