Título: O aborto de volta à campanha
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 10/07/2008, O País, p. 3

Solange vota contra projeto na Câmara e cobra explicação de Jandira por ser a favor

Evandro Éboli

Três dias após o início da campanha municipal, a candidata a prefeita do Rio pelo DEM, deputada federal Solange Amaral, levou o aborto de volta ao debate eleitoral e usou isso para criticar sua adversária Jandira Feghali. Candidata a prefeita pelo PCdoB e segunda colocada nas pesquisas, Jandira é a favor da descriminalização do aborto. Solange, em terceiro nas pesquisas, disse que vai explorar o tema na campanha e afirmou que Jandira terá que "se explicar" à população. A deputada fez as ameaças após a rejeição, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, do projeto que legalizaria o aborto. Ela era a única parlamentar mulher na sessão.

- Aborto é um assunto que a sociedade quer discutir. Ela (Jandira) disse que foi alvo de injustiça, mas terá que se explicar ao eleitor - disse Solange.

Esta é a segunda campanha eleitoral consecutiva em que Jandira Feghali é criticada por suas posições em relação ao tema. Em 2006, quando perdeu a disputa para Francisco Dornelles (PP-RJ) para o Senado, Jandira foi criticada por setores da Igreja Católica por suas posições e, depois de liderar as pesquisas durante a campanha, foi ultrapassada pelo concorrente nas últimas semanas. Então deputada federal em 2005, a candidata do PCdoB foi relatora desse mesmo projeto rejeitado ontem e deu parecer favorável à descriminalização do aborto.

Para tentar tirar a diferença de votos para a concorrente e subir nas pesquisas, Solange não escondeu que pretende explorar o assunto na campanha.

- Precisa ficar claro para o eleitor do Rio que há uma candidata a favor do aborto e que há outra contra o aborto. O Rio precisa saber que há o substitutivo Feghali, que é até mais radical que o projeto votado hoje aqui - disse a candidata do DEM.

Jandira evita entrar em polêmica

Durante toda a votação ontem, Solange fez questão de marcar posição contra o aborto e, assim, se apresentar como uma antagonista de Jandira. Várias vezes, quando discursava, a parlamentar olhava para as câmeras da TV Câmara.

Jandira reagiu indignada às críticas de Solange e evitou comentar a rejeição do projeto ontem na CCJ:

- Não tenho que explicar coisíssima alguma para a senhora Solange Amaral. Sou médica, e minha formação é em favor da vida, para salvar vidas. Quero tratar de temas que estejam na pauta municipal.

A candidata do PCdoB evitou comentar o resultado da votação de ontem da CCJ. Em seu parecer, em 2005, ela incluiu parte do relatório elaborado pela ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. O texto permitia a interrupção da gravidez, por qualquer motivo, até a 12ª semana de gestação; em até 20 semanas em caso de estupro; e a qualquer momento, caso fosse diagnosticado grave risco de saúde à gestante e de má-formação do feto.

Em 2006, Jandira perdeu a eleição para Dornelles por uma diferença de 612.515 votos. O PCdoB chegou a recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio por causa da campanha de católicos contra a candidata e foi autorizada até busca e apreensão de material contra sua campanha na Cúria Metropolitana. Nem o gabinete do arcebispo do Rio, dom Eusébio Scheidt, escapou da varredura, mas nada foi encontrado. O partido atribuiu a sua derrota "ao jogo sujo da direita".

Ontem, na CCJ, Solange pediu várias vezes a palavra para se declarar contra o aborto e discursou que o foco tem que ser na prevenção e na segurança da gestação.

- O aborto não é o caminho para as mulheres. O importante é cuidar, acolher, proteger e não abortar - disse a candidata.