Título: Serviço insalubre e mal pago
Autor: Klingl, Erika
Fonte: Correio Braziliense, 18/05/2009, Cidades, p. 17

O dia nem amanheceu e os meninos já estão em frente ao estacionamento nas proximidades de duas fábricas de cimento na região da Fercal, em Sobradinho 2. É preciso chegar antes das 6h para não perder os caminhoneiros que optam por pegar a estrada cedo. E o trabalho não dá trégua até as 19h. Os loneiros ¿ nome dado aos garotos que cobrem e amarram a lona nas caçambas dos caminhões ¿ gastam quase uma hora em cada serviço. A remuneração gira em torno de R$ 10 e R$ 20. Na última quarta-feira, o Correio acompanhou a jornada de quase 10 adolescentes, entre 16 e 18 anos, sob sol forte e em meio a muita poeira.

Além do risco de transitar na rodovia e circular entre caminhões, os jovens compartilham o abandono da vida escolar. ¿Não estou mais estudando. Parei no primeiro ano pra trabalhar aqui¿, conta João*. Com 17 anos, o garoto sonha em ser caminhoneiro ou trabalhar na fábrica, mas ele próprio não acredita no sucesso dos planos traçados. ¿Acho ruim estar fora da escola, mas quero ajudar em casa.¿

Sem chinelo O que mais incomoda Gabriel* é a poeira de cimento misturada com a terra batida que levanta do solo sempre que um caminhão passa. ¿Meu nariz sangra de vez em quando¿, admite. Gabriel tem 16 anos e, na quarta-feira, estava mancando depois de descer do caminhão, torcer o pé e arrebentar o chinelo. Ele continuou a trabalhar. Além de perder dinheiro, passar em casa seria inútil. Ele não tem outro chinelo e terá que consertar o atual. O trabalho dos meninos como loneiros é crime. A Constituição proíbe serviços em ambientes insalubres para garotos e garotas com idade entre 16 e 18 anos.

No muro da fábrica, um cartaz até avisa: ¿Trabalho infantil é crime¿. Mas os garotos e os caminhoneiros ignoram o comunicado e até se indispõem com quem tenta tocar no assunto. Para os motoristas, usar a mão de obra dos adolescentes é bom porque é mais barato.

Atento à irregularidade, o gerente da Regional Centro-Oeste da Votorantim Cimentos, Albeny Andrade, acaba de contratar uma empresa de loneiros profissionais que vai funcionar dentro da área da fábrica. ¿O valor não vai ficar muito mais alto para os caminhoneiros e a carga ficará mais bem amarrada¿, observa ele, que faz questão de frisar que a empresa tem três projetos sociais na região voltados, principalmente, aos adolescentes na faixa etária dos meninos loneiros.