Título: Crianças trabalhando
Autor: Klingl, Erika
Fonte: Correio Braziliense, 18/05/2009, Cidades, p. 17

Levantamento de ONG nacional aponta que 23 mil meninos, meninas e jovens exercem algum tipo de atividade laboral no DF. Governo reconhece o problema, mas garante que tem tomado providências

A garota que cuida do bebê de 4 meses, na Estrutural, tem apenas 15 anos: trabalha como babá desde os 12 e só estudou até a 5ª série

Adolescentes atuam como loneiros perto de fábricas de cimento na Fercal: proibido pela Constituição Eles estão nos sinais de trânsito, na casa da vizinha, nas feiras do Distrito Federal. E não são poucos. O DF tem 23 mil crianças e adolescentes que, apesar do corpo e da mente ainda em formação e, principalmente, da garantia legal, estão longe de exercer o direito de serem crianças. O tamanho do exército dos profissionais mirins foi traçado pelo Centro de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente (Cedeca), uma ONG de âmbito nacional, a partir da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

Muitos desses meninos e meninas estão invisíveis aos olhos da sociedade. É o caso de Luciana*. Com apenas 15 anos, a menina trabalha todos os dias das 7h às 19h como babá na Estrutural. Não há intervalo na jornada de 12 horas diárias. Assim que chega à casa da vizinha que é doméstica, Luciana leva os dois filhos mais velhos da patroa, de 10 e 8 anos, à escola carregando nos braços o bebê de 4 meses. Depois de quase uma hora, ela retorna para o barraco, dá banho no pequeno, alimenta-o e o coloca para dormir. É hora de arrumar a casa antes de sair, novamente com o bebezinho, para buscar as crianças. Serve o almoço aos três e, mais uma vez, é hora de arrumação.

Luciana não está na escola. ¿Comecei a trabalhar de babá com 12 anos¿, conta a adolescente que só cursou até a 5ª série. ¿Ganho R$ 200. Metade para mim e metade para minha mãe.¿ Ela exerce uma das formas mais comuns e menos visíveis de trabalho infantil no DF. Em quatro anos de labuta, nunca foi atendida pelos programas do governo do DF.

¿O número de pessoas atendidas pelo governo é muito menor do que o de meninos e meninas trabalhando¿, comenta Perla Ribeira, coordenadora-geral do Cedeca. ¿Nossos levantamentos apontam que há cerca de 2,5 mil adolescentes e crianças nos programas de transferência de renda e jornada ampliada. No fim do mês passado, a entidade concluiu a análise orçamentária dos programas voltados para a infância. De acordo com a publicação, foram empenhados apenas 44% do orçamento de quase R$ 4 milhões destinado para a erradicação do trabalho infantil no DF. ¿A infância não está sendo prioridade¿, argumenta Perla.

A promotora da Infância Luisa de Marillac completa. ¿Temos lutado para colocar os direitos da infância em pauta¿, afirma. ¿No caso do trabalho infantil, isso é urgente pois ele prejudica a formação das crianças e adolescentes em muitos aspectos, mas o principal é a relação com o baixo desempenho e a evasão escolar.¿

Rui*, de 13 anos, é um exemplo do que o trabalho faz com a rotina escolar. Ele vende chocolate na Feira dos Goianos todas as quartas-feiras, em Ceilândia. Chega cedo e só vai embora às 17h. No meio da semana, ele não vai para o colégio. Isso sem falar no cansaço do menino no dia seguinte. ¿Às vezes, eu durmo na aula.¿

Dinheiro A secretária de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Eliana Pedrosa, admite que não conseguiu, até o momento, gastar todo o orçamento destinado para enfrentar o problema. ¿Quando se está no serviço público as coisas acontecem num andar diferente da vida privada. No serviço público tem que abrir licitação¿, reconhece. ¿Alguns projetos foram iniciados em 2008 e ficaram com recursos bloqueados. Mas o dinheiro não foi perdido e deve ser liberado até o fim deste mês.¿ E completa: ¿Além disso, existem inúmeros gastos na área que não entram na rubrica do orçamento como é o caso da alimentação e do transporte.¿

Eliana Pedrosa lembra que no fim do ano passado o DF lançou o Plano Distrital de Enfrentamento da Erradicação do Trabalho Infantil. ¿Neste mês vamos inaugurar um Centro de Orientação Socioeducativo no Riacho Fundo. Também temos centros móveis que atendem milhares de meninos e meninas em situação de vulnerabilidade¿, exemplifica.

2,5 mil crianças e adolescentes são atendidos em programas de erradicação do trabalho infantil no DF

44% do orçamento destinado ao combate ao trabalho infantil foi empenhado em 2008 na capital do país, segundo a Ong Cedeca

Disque 100 ou telefone para 156 (dígito 1) para denunciar casos de exploração