Título: Até Tenda Cabocla Jurema foi ludibriada
Autor: Brunet, Daniel; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 17/07/2008, O País, p. 3

Entidades carentes não viram a cor dos milhões liberados em nome delas.

Os R$60,9 milhões desviados dos cofres públicos pelo esquema das ONGs eram destinados a ações de saúde em comunidades carentes, mas não chegaram nem perto de onde deveriam. Em Nova Iguaçu e Nilópolis, na Baixada Fluminense, por exemplo, uma creche e uma igreja evangélica incluídas na lista de beneficiados com verba do governo do estado na gestão Rosinha Garotinho (PMDB) não viram a cor do dinheiro e funcionam em condições precárias. E há também o caso da Associação Cívica, Cultural e Beneficente Projeto Missões de Vida, que teria recebido R$1,7 milhão do governo do estado. O endereço da entidade é na Avenida Pastor Martin Luther King 12.745, na Pavuna. Lá, no entanto, funcionam uma lan house e uma confecção de roupas.

- Nunca ouvi falar dessa instituição. Ninguém da associação apareceu por aqui - disse Luis Alberto Mattos, dono da fábrica de vestuário.

Na Rua Roxo 235/101, no bairro Marapicu, em Nova Iguaçu, fica o Centro Integrado Sol Brilhante (CISB), que, segundo as investigações do Ministério Público, deveria ter recebido cerca de R$1 milhão. Localizada no Conjunto Dom Bosco - região dominada por traficantes -, e com instalações improvisadas, a entidade, atualmente, depende de doações para atender 64 crianças, de seis meses a 13 anos, da creche à alfabetização. Telhado à mostra e paredes com rachaduras e infiltrações compõem o cenário desolador. O mobiliário e as instalações elétricas também estão em mau estado de conservação. As divisórias entre a única sala de aula, o berçário, o refeitório e a cozinha são de restos de móveis.

Igreja com capacidade para 30 fiéis que assistem aos cultos em cadeiras de plástico

Em seu depoimento ao Ministério Público, a diretora da CISB, Sandra Borges, contou que recebeu das ONGs Alternativa Social e Projeto Filipenses, em um escritório da Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, parcelas de apenas R$300, R$500, R$700 e R$900. Foram de oito a dez pagamentos ao longo de 2006.

- Ficamos desconfiados porque não eram pagamentos constantes. Aguardamos a assinatura de contrato que eles prometiam e isso não aconteceu. Demos toda a nossa documentação. Aqui é uma área de risco, e dependemos de doações. Lutamos com muitas dificuldades. Essas crianças passam necessidades. Se eu recebesse R$1 milhão, minha creche não estaria desse jeito. De uma hora para outra ficamos sem chão. Não esperávamos essa bomba - afirmou a presidente da instituição filantrópica, Sandra Borges.

A Igreja Pentecostal Restaurada por Cristo, na Travessa Giovania Santana Drumont 44, casa 1, no Centro de Nilópolis, teria direito a R$1,2 milhão. O humilde templo, no entanto, tem capacidade para apenas 40 fiéis, que se acomodam em cadeiras de plástico para assistirem aos cultos às terças e quintas-feiras e aos domingos. Também em depoimento ao Ministério Público, o pastor Sidclei Jacomo disse que recebia de R$500 a R$1 mil e que esteve na agência do Itaú, em Botafogo, nove vezes em 2006. Ele recebeu ainda das ONGs panfletos sobre saúde para distribuir na igreja e camisetas com alertas contra doenças.

- Sabia que ia dar confusão. Tudo era feito em sigilo. Eu me senti prejudicado. Foi uma falcatrua com a gente. Fazemos um trabalho social para ajudar famílias carentes, com doações de roupas e alimentos - disse Jacomo.

Já Jussara Maranhão, responsável pela Tenda Cabocla Jurema, em Campo Grande, na Zona Oeste, contou ao Ministério Público que assinou apenas um papel em branco que seria para regularizar a situação do templo espírita na Receita Federal. Mas a assinatura, segundo ela, apareceu em cinco cheques, num total de R$540 mil.

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