Título: Lula: delegado tem que ficar
Autor: Damé, Luiza; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 17/07/2008, Economia, p. 21

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Presidente nega pressões e cobra obrigação moral de Protógenes. PF diz que ele sai

Diante da repercussão negativa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou pressões e afirmou que, por uma questão moral, o delegado Protógenes Queiroz tem de continuar no comando da Operação Satiagraha até a conclusão do relatório e o envio do inquérito ao Ministério Público. Além disso, afirmou que, se Protógenes não quer continuar, deve dizer isso publicamente, para evitar insinuações. Lula determinou que o ministro da Justiça, Tarso Genro, conversasse com a diretoria da PF para anular o afastamento. Mas o diretor interino da Polícia Federal (PF), Romero Menezes, informou que Protógenes deixará mesmo o caso segunda-feira.

Lula também negou que Protógenes e seus dois auxiliares na operação - que investiga os grupos do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta - tenham sido pressionados a se afastar por desagradar a setores do governo e do Judiciário. A operação, que estabeleceu ligação de petistas históricos com Dantas, foi chamada de espetáculo pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.

- Acho que esse delegado tem de ficar no caso. Esse cidadão não pode, depois de fazer uma investigação de quase quatro anos, na hora de finalizar o relatório, dizer "eu vou embora fazer meu curso" e ainda dar vazão a insinuações de que foi tirado - disse Lula. - Moralmente, esse cidadão tem de ficar no caso até terminar esse relatório e entregar para o Ministério Público. Depois ele pode se afastar. A não ser que ele não queira e diga que não quer. O que não pode é passar insinuações. Vender insinuações para a sociedade não é correto nem para o presidente da República, muito menos para um delegado da Polícia Federal.

A PF diz que Protógenes pediu, em 13 de maio, liminar à 3ª Vara Federal do DF para que fosse matriculado no Curso Superior de Polícia. Tarso falou no fim da tarde com Romero, que informou que Protógenes se comprometeu a entregar o relatório final amanhã. Mas é de conhecimento geral que o relatório final não acaba com a participação do delegado responsável, pois sempre há desdobramentos da investigação. Na terça-feira, Tarso disse que o inquérito estava 99,9% concluído. Mas os relatórios da PF aos quais O GLOBO teve acesso mostram o inverso: além das denúncias contra Dantas e Nahas, no próprio inquérito Protógenes declara a necessidade de vários desdobramentos.

Presidente quer desmentido

O procurador da República que atua na operação, Rodrigo de Grandis, disse ontem que as investigações estão "apenas no início" e demandam um cruzamento de dados.

Lula cobrou um desmentido de quem espalhou a "mentira" de que Protógenes fora afastado. Segundo o presidente, a reunião de segunda-feira na PF em São Paulo, quando foi acertado o afastamento de Protógenes, Carlos Eduardo Pellegrini e Karina Souza, foi gravada "com consenso". Eles serão substituídos, segundo a PF, pelos delegados Ricardo Saadi - responsável pela investigação que prendeu o traficante Juan Carlos Abadía - e Érika Mialik Marena. Nessa reunião, disse Lula, Protógenes pediu para sair:

- Depois vem a idéia de que ele foi afastado. É no mínimo uma atuação de má-fé, mas eu não sei mesmo se ele falou ou não. Li na imprensa. Esse é um processo sério, envolveu gente, então é preciso que a pessoa tenha logo o relatório definido para que se peça ou não indiciamento dessas pessoas. A única coisa que nós queremos, nesse caso, é responsabilidade.

A decisão de afastar Protógenes foi informada na noite de segunda-feira, em reunião na superintendência da PF em São Paulo, pelo chefe do setor de Combate ao Crime Organizado da corporação, Roberto Troncon Filho, a quem o delegado é subordinado. Protógenes chegou a sugerir que continuasse no inquérito apenas nos fins de semana. A sugestão foi rejeitada por Troncon e pelo superintendente da PF em São Paulo, Leandro Daiello Coimbra. Em nota, a PF disse ontem que "a sugestão não foi acatada pelos diretores, já que traria prejuízo às pessoas convidadas a prestar esclarecimentos junto à investigação".

Diante do impasse, os outros dois delegados pediram afastamento. Troncon teria dito que a decisão foi da cúpula da PF, sem interferência do governo. O motivo seria o fato de Protógenes ter feito diligências sobre pessoas influentes sem comunicar à cúpula. Pessoas envolvidas na investigação disseram que ele sofria pressões desde que o nome do chefe de Gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, veio à tona.

Lula desconversou ao ser perguntado sobre as explicações de Carvalho, flagrado passando informações ao ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado de Dantas:

- Se você ligar para mim, quem vai atender vai ser o Gilberto Carvalho. Peça a Deus para seu telefone não estar sendo gravado, senão vai aparecer sua conversa.

Mais cedo, Tarso descartara pressão pela mudança e disse que a saída "não é conveniente". Ao deixar ontem à noite a PF em São Paulo, o advogado Nélio Machado, defensor de Dantas, afirmou que Protógenes continuaria à frente do inquérito principal:

- O doutor Protógenes continua no caso, pelo que entendi, no que ele denomina inquérito-mãe, e terá a colaboração de outros delegados quanto às diligências de busca e apreensão.

De Grandis e a procuradora Anamara Osório Silva, parceiros de Protógenes na Satiagraha, enviaram ofício ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, dizendo que sua saída prejudicaria a investigação. Em nota, delegados da PF manifestaram solidariedade aos três delegados.