Título: Três horas em quatro minutos
Autor: Carvalho, Jailton de; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 18/07/2008, Economia, p. 27

Lula manda PF divulgar áudio de reunião com delegado da Satiagraha. Crise se agrava.

Numa tentativa de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrar que o delegado Protógenes Queiroz deixará o comando da Operação Satiagraha por conta própria e não por pressão política, a Polícia Federal divulgou ontem trechos da reunião em que o delegado diz aos chefes imediatos que não pretendia mais continuar à frente da apuração sobre os supostos crimes do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity. Foi o próprio presidente Lula que determinou a divulgação. A decisão foi tomada em encontro, no Palácio do Planalto, entre Lula, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor interino da Polícia Federal, Romero Menezes. Mas os trechos distribuídos à imprensa, pouco mais de quatro minutos de uma conversa de quase três horas de duração, não deixam claro se Protógenes queria mesmo se desligar das investigações ou anunciou sua saída para evitar maiores choques com a cúpula da PF.

Além disso, em vez de apaziguar, a decisão da PF aprofundou as críticas na corporação. Para o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo, Amaury Portugal, ao divulgar apenas quatro minutos de gravação, a PF dá margem a interpretações.

- Como pode colocar em menos de cinco minutos três horas de reunião? Não faz sentido - criticou ele, que usou os termos "palhaçada", "absurdo" e "infantilidade" para a decisão.

Outras fontes da PF já haviam levantado suspeitas de que o delegado vinha sofrendo pressões.

Os trechos dos diálogos entre Protógenes e o delegado Roberto Troncon, diretor de Combate ao Crime Organizado, foram extraídos de uma tensa reunião, realizada na Superintendência da PF em São Paulo, segunda-feira. De um lado, estavam Troncon, o superintendente da PF em São Paulo, Leandro Coimbra, e o chefe da Divisão de Combate ao Crime Organizado, Paulo de Tarso, chefes de Protógenes. Do outro lado da mesa, estavam Protógenes e seus colaboradores, os delegados Carlos Eduardo Pelegrine e Karina Murakami Souza.

Diante dos chefes e de um gravador, Protógenes perguntou, com voz tímida, se o encontro seria gravado. Troncon respondeu que gosta de ter suas conversas registradas e que a reunião seria longa. Protógenes, ainda com voz baixa, atribui, então, o sucesso da Operação Satiagraha a Troncon, Coimbra e ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Os três estão entre os críticos de supostos erros de Protógenes na investigação.

- Eu não pretendo presidir nenhuma investigação. Aí ficaria um apoio, um trabalho, coletando dados - diz Protógenes, num dos trechos divulgados pela PF, em que o delegado se oferece apenas para colaborar com as investigações.

Num outro trecho da conversa, Protógenes afirma que precisaria de mais 30 dias para concluir o inquérito sobre corrupção e lavagem de dinheiro. Ele sugere que poderia fazer a instrução criminal nos fins de semana. A partir de segunda-feira, ele fará um curso de reciclagem na Academia Nacional de Polícia, que exige dedicação exclusiva. A proposta é rejeitada pela cúpula da PF. Troncon e Coimbra oferecem outra alternativa, de relatar o inquérito até hoje. Protógenes responde que teria que ouvir Humberto Braz, ex-dirigente da Brasil Telecom, mas que poderia fazer o interrogatório rapidamente e, com isso, relatar o inquérito até hoje.

A sugestão foi acolhida. Desde o início da operação, Protógenes vem sendo alvo de duras críticas, desde o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, até Tarso.

Tarso: governo não tentou abafar

Ao GLOBO, Tarso rebateu a notícia de que houve pressão para afastar o delegado:

- Não sabemos de onde saiu essa versão. Disse ao presidente que tínhamos a absoluta convicção de que não houve pressão para afastar os delegados. Não poderíamos passar a imagem de que o governo tentava abafar a investigação. Por isso, o presidente manifestou preocupação com essas versões.

No encontro, Lula elogiou a atuação da PF, mas deixou clara sua preocupação com as versões de que os quatro delegados que atuavam no caso foram questionados pela cúpula da PF, o que teria motivado seu afastamento. Isso contribuiria para passar à opinião pública a sensação de que o Planalto estava acuado. Há grande desconforto no governo e no PT com a divulgação de conversas que colocaram esse episódio na ante-sala do presidente, como a gravação entre o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, além de citações à ministra Dilma Rousseff.

Os delegados Karina e Magro, que pediram afastamento em solidariedade a Queiroz, continuarão no caso, que deve ser presidido pelo chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Financeiros de São Paulo, Ricardo Saadi. O procurador da República Rodrigo de Grandis disse que Protógenes não deve retornar ao caso.