Título: E Cacciola acabou em Água Santa...
Autor: Frisch, Felipe; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 18/07/2008, Economia, p. 31

Ex-banqueiro é extraditado para o Brasil depois de oito anos no exterior e alega que não estava foragido.

Em uma entrevista coletiva não esperada, em plena sede da Polícia Federal (PF), e aparentando bom humor, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola afirmou ontem de manhã que nunca foi um foragido e confia na Justiça. Ele deixou o país há oito anos, beneficiado por um habeas corpus, e não voltou quando foi condenado. Cacciola falou aos jornalistas após desembarcar, extraditado e sem algemas, no Rio, e antes de ser levado ao Presídio Ary Franco, em Água Santa.

- Sinto-me tranqüilo porque, em primeiro lugar, confio na Justiça. Volto preso, mas é bom lembrar que as pessoas condenadas comigo estão trabalhando, livres, ganham seu dinheiro. Eu não estava fazendo nada diferente. Só que estava fazendo na Itália e respondendo a todos os processos por (carta) rogatória (cumprimento de etapas de uma ação entre Judiciários de diferentes países) - disse, referindo-se a outros sentenciados no processo que o condenou, em primeira instância, a 13 anos de prisão em 2005.

Condenado por gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público, Cacciola, que ainda troca palavras em português pelo italiano, lembrou que o dia 17 de julho coincide com a data de sua chegada à Itália em 2000. Como cidadão italiano, ele não podia ser extraditado. Cacciola admitiu ter sido um erro ir, em setembro de 2007, para Mônaco, onde foi preso pela Interpol:

- Estou à disposição da Justiça. Na sentença, todos podem apelar em liberdade, menos o Cacciola porque era um foragido. Nunca fui foragido. Fui para a Itália com o meu passaporte carimbado, entrei na Itália e saí do Brasil oficialmente e, quando saí, saí livre com a decisão do ministro Marco Aurélio Mello (então presidente interino do Supremo Tribunal Federal, o STF). E, somente quando cheguei à Itália, o ministro (Carlos) Velloso (presidente do STF na ocasião, ao retornar do recesso) anulou a decisão. Eu resolvi não voltar mais, decidi ficar lá.

O procurador regional da República no Rio, Arthur Gueiros, responsável pela acusação no caso, contesta a versão.

- Ele era o foragido número 1 da Justiça brasileira, no topo da lista da Interpol. E, segundo o próprio livro dele ("Eu, Alberto Cacciola, confesso", de 2001), ele fugiu pelo Uruguai e pegou avião para a Itália na Argentina. Ele não saiu do Brasil legalmente.

Com um sorriso no rosto, Cacciola surpreendeu os jornalistas ao conceder a entrevista na PF, na Praça Mauá. Depois de dez meses preso em Mônaco, ele foi levado ao Ary Franco, centro de triagem de presos do estado, após o exame de corpo de delito na PF. Como o presídio não tem cela especial, os advogados de Cacciola tentaram transferi-lo para Bangu 8. Segundo eles, Cacciola tem curso superior de economia. Carlos Ely Eluf revelou que seu cliente toma remédios para pressão e estabilização do humor, que seriam providenciados por eles.

Segundo os advogados Guilherme Eluf e Alan Bousso, o pedido de transferência foi aceito pela Secretaria de Administração Penitenciária, mas não havia vaga em cela individual em Bangu 8. Guilherme Eluf disse que dois traficantes que estão em Bangu 8 serão transferidos para Rondônia hoje, permitindo a entrada de Cacciola.

Ex-banqueiro não comeu refeição dos presos

Mas o subsecretário-adjunto de Unidades Prisionais do Rio, Francisco Spargoli Rocha, disse que não havia recebido documentos sobre a transferência. A secretaria também disse que a Vara de Execuções Penais não relatou qualquer petição. Segundo ele, Cacciola teria que dormir em uma cela comum. Já segundo os advogados, ele passaria a noite na sala administrativa onde ficou de dia. Guilherme Eluf conversará com a secretaria hoje para "agilizar a situação".

No almoço, Cacciola não partilhou da refeição dos presos - arroz, feijão, purê de batatas e lingüiça frita - e se serviu da comida da diretoria, cujo cardápio não foi informado.

O caso de Cacciola agora está no Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região. O procurador estima que o novo julgamento aconteça em cerca de dois meses. Gueiros solicitou que Cacciola seja reinterrogado. Os advogados foram ontem a Brasília tentar acelerar a decisão sobre um novo pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que o ex-banqueiro possa aguardar o novo julgamento em liberdade. Gueiros teme que Cacciola fuja.

Carlos Eluf disse que seu cliente saiu do país para evitar ser preso injustamente:

- Você voltaria? Há uma tese em direito e muitos ministros a adotam, o direito natural de fuga. Para alguém que se sente injustiçado, a tendência é fugir.

O período na prisão em Mônaco deve ser descontado da eventual pena final. Gueiros explica que não há pena ou punição maior para quem foge, o que pode permitir a interpretação de advogados de que o acusado tem o direito de fugir.