Título: Ruralista opositor vira liderança nacional
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 18/07/2008, O Mundo, p. 35
ARGENTINA DIVIDIDA
Em menos de quatro meses de protestos, Alfredo De Angeli emerge como o inimigo número 1 da Casa Rosada.
BUENOS AIRES. Ele sempre foi uma figura conhecida entre os moradores da cidade de Gualeguaychú, província de Entre Rios, por sua militância a favor dos direitos dos produtores rurais, mas desde o início do conflito entre o governo Cristina Kirchner e a cúpula agropecuária, em meados de março passado, tornou-se o principal inimigo da Casa Rosada. Em apenas quatro meses, Alfredo De Angeli se transformou em líder nacional. Num país no qual a oposição política carece de fortaleza e propostas para enfrentar o governo nacional, De Angeli ocupou um vazio, basicamente por sua capacidade para saber interpretar as demandas de grande parte da sociedade, que não se sente representada pelo projeto político de Néstor e Cristina Kirchner.
Alfredo, como gosta de ser chamado, começou a surgir no cenário nacional após a aprovação, por decreto, de uma medida considerada confiscatória pelos produtores rurais de todo o país. Nas primeiras imagens de TV, na qual ele aparecia liderando os bloqueios de estrada na província de Entre Rios, De Angeli era quase uma caricatura. Um produtor rural sem dentes, que, aos berros, se atrevia a desafiar o casal mais poderoso do país. Passaram-se alguns dias e De Angeli, já com todos os dentes, estava em todos os canais de TV, jornais e rádios.
Cada vez que o governo anunciava uma medida, o já famoso produtor rural era consultado pela imprensa local sobre qual deveria ser a reação do setor. A cidade de Gualeguaychú virou o principal palanque dos ruralistas argentinos. O crescimento da imagem do líder ruralista começou a incomodar a Casa Rosada, pouco acostumada à convivência com opositores de peso. Em meados de junho, De Angeli foi preso junto com outros 17 produtores que estavam bloqueando uma estrada. O governo argumentou que estavam cometendo um delito, mas não foi suficiente para conter uma reação popular em massa. Nas principais cidades do país, centenas de pessoas saíram às ruas com suas panelas, para repudiar a repressão aos manifestantes de Gualeguaychú. De Angeli esteve poucas horas preso, mas chegou a ser comparado por colunistas dos principais jornais do país com Juan Domingo Perón, preso em 1945, ano que marcou o início de uma carreira política histórica para o país.
Em seus discursos, o ex-presidente Néstor Kirchner se referia diretamente a De Angeli. Embora tenha tentado minimizar sua importância, o ex-presidente entendeu, desde o início da disputa, o papel desempenhado por ele. Os demais integrantes da cúpula agropecuária também receberam o apoio de grande parte da população. Mas De Angeli foi, sempre, o mais aplaudido.
Ruralista diz que não pensa em carreira política
Terça-feira passada, o produtor rural foi a principal estrela de um ato que reuniu cerca de 250 mil pessoas no bairro portenho de Palermo. Com lágrimas nos olhos, De Angeli pediu desculpas a sua mãe "pela confusão na qual me meti". Ontem, depois da inesperada vitória no Senado, o produtor rural retornou à Gualeguaychú para comemorar com amigos e companheiros de luta. Ele jura que não pensa em candidaturas políticas e que deseja apenas contribuir no processo de elaboração de um projeto para o setor agropecuário:
- Ganhamos e agora temos uma enorme responsabilidade.
Em entrevista ao programa "Almoçando com Mirtha Legrand" (famosa apresentadora), o produtor disse que "agora vou descansar e me preparar para enfrentar o desafio de atender às demandas de nosso setor. O governo deveria entender que algumas coisas devem mudar em nosso país". Fã de carteirinha do novo líder argentino, a apresentadora o parabenizou e afirmou que ele era responsável por 80% do triunfo do campo. Pode ser exagero, mas a realidade é que hoje De Angeli é mais popular do que era o próprio Kirchner quando assumiu o poder, em maio de 2003.