Título: Delegado sai atirando
Autor: Rodrigues, Lino; Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 19/07/2008, Economia, p. 25

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Protógenes acusa falta de recursos para investigação, e MP promete apurar

O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo abriu procedimento administrativo para apurar se houve boicote à Operação Satiagraha. A investigação, proposta pelos procuradores da República Anamara Osório Silva e Rodrigo de Grandis, foi determinada depois que o delegado Protógenes Queiroz apresentou ao MPF queixa formal contra a própria cúpula da Polícia Federal (PF). Protógenes fala que houve obstrução ao seu trabalho e reclama de falta de ajuda (material e de analistas) para analisar documentação que comprovaria desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o ex-banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e o megainvestidor Naji Nahas.

Na mesma denúncia, apresentada ao MPF na quinta-feira, Protógenes também alega que foi afastado da coordenação da Operação Satiagraha, o que contradiz a versão oficial da PF de que o delegado pediu o afastamento das investigações para fazer um curso de especialização exigido de funcionários com mais de dez anos de casa. O procedimento administrativo será comandado pelo procurador da República Roberto Antonio Dassié Diana, coordenador do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF paulista.

Já na segunda-feira, Dassié vai requisitar cópia integral de gravação de reunião, na sede da PF, que acabou no afastamento de Protógenes das investigações. O MPF não divulgou a íntegra da denúncia do delegado da PF. "A gravação será um dos elementos que poderão ser usados para instruir a apuração", diz nota do MPF.

Delegado entrega relatório final à PF

Ontem à noite, após tentar ouvir pela terceira vez o depoimento de Dantas, Protógenes anunciou a apresentação do relatório final do inquérito da Satiagraha. Segundo ele, isso foi feito "em cumprimento à determinação do excelentíssimo presidente Luiz Inácio Lula da Silva" e em "obediência à ordem de meus superiores".

- Apresento nesta data a nossa singela contribuição para a condução da Operação Satiagraha, em especial no combate à corrupção - afirmou ele, ao ler uma nota.

Protógenes, que não deu entrevistas, agradeceu a colaboração da Justiça paulista e do MPF, citou os delegados que atuaram a seu lado nas investigações e fez ainda menção a seus ex e atuais chefes no comando da PF.

A decisão de afastar o delegado da Operação Satiagraha foi comunicada na noite de segunda-feira, em uma reunião tensa na superintendência da PF em São Paulo, pelo chefe do setor de Combate ao Crime Organizado da corporação, Roberto Troncon Filho, a quem Protógenes é subordinado.

Troncon teria dito que a decisão foi da cúpula da PF, sem interferência do Palácio do Planalto e do Ministério da Justiça. O motivo seria o fato de que o delegado fez diligências que tinham como alvo pessoas influentes sem comunicar à cúpula. Outras pessoas envolvidas na investigação afirmaram que Protógenes sofria pressões desde que o nome do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, veio à tona. Carvalho aparece em um grampo passando informações ao ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, suspeito de integrar a suposta quadrilha de Dantas.

Investigação terá força-tarefa

Após reclamar da falta de apoio da instituição para acelerar as investigações, Protógenes chegou a sugerir que continuasse no inquérito apenas nos fins de semana, o que foi rejeitado por Troncon e pelo superintendente da PF em São Paulo, Leandro Daiello Coimbra.

- Isso é inusitado. É muito grave, nunca vi isso na minha vida - afirmou o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do estado de São Paulo, Amaury Portugal, ao se referir à queixa apresentada por Protógenes ao MPF.

Ainda segundo Portugal, por determinação da direção da PF, na próxima semana a investigação vai ganhar a ajuda de uma força-tarefa, com a chegada de novos delegados e analistas para analisar os documentos apreendidos na casa e no escritório de Dantas e Nahas. Ele vão atuar sob o comando de Ricardo Saad, que ficará no lugar de Protógenes.

Na quinta-feira, a pedido do presidente Lula, a PF chegou a divulgar trechos selecionados da reunião da última segunda-feira. Nesses trechos, Protógenes aparece dizendo que vai sair para realizar um curso de aperfeiçoamento. Em vez de apaziguar, a decisão da PF aprofundou as críticas dentro da corporação. O sindicato dos delegados deve fazer na terça-feira uma assembléia na superintendência para criticar a forma como o caso tem sido conduzido pela cúpula da PF.