Título: Brechas permitem operações suspeitas
Autor: Aggege, Soraya; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 19/07/2008, Economia, p. 27

Denúncias da Operação Satiagraha expõem fragilidades do Sistema Financeiro Nacional.

BRASÍLIA. As denúncias de crime financeiro que surgiram com a Operação Satiagraha, envolvendo negócios do grupo Opportunity, deixaram expostas lacunas pelas quais são realizadas transações no mercado brasileiro que beneficiam investidores de maneira, no mínimo, suspeita. Uma das mais usuais, contam operadores, são as aplicações com recursos oriundos do exterior em títulos e ações, definidas pelo governo em 2006, isentas de Imposto de Renda.

Existe uma via legal para esta aplicação. O investidor brasileiro abre uma conta no exterior e a informa ao Banco Central (BC) e à Receita Federal. Envia, então, dinheiro para lá. No exterior, usa o dinheiro para aplicar em algum fundo ou clube de investimento, do qual se torna um cotista comum. O detalhe é que esse fundo ou clube também aplica seus recursos em títulos ou ações no Brasil e, portanto, é beneficiado da isenção de IR.

Pouco antes de encerrar o ano fiscal, esse investidor brasileiro pode resgatar a aplicação e, como os recursos estão no exterior, não precisa pagar qualquer imposto sobre seu ganho de capital. Só de ele internalizar os recursos em algum momento.

Outra forma de se travestir de investidor internacional envolve operações ilegais, normalmente com recursos não declarados, tipo caixa 2. Neste caso, o investidor brasileiro contrata um blackista - jargão para designar agentes que atuam no mercado de câmbio negro -, que transforma os reais não declarados em dólares e os remete a uma empresa, que pode estar em nome de laranjas ou não.

Normalmente, as firmas estão em paraísos fiscais. Por ser empresa estrangeira, também pode aplicar os recursos no Brasil e ser beneficiada pelas isenções.

Investidor pode ser proibido de atuar no mercado

Como essas operações são irregulares e, portanto, fora do Sistema Financeiro Nacional (SFN), legalmente não cabe uma ação do BC, normatizador e fiscalizador do sistema. A instituição não as "vê", porque o investimento não passa pelos mecanismos oficiais. Neste caso, cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público atuarem.

Caso haja fraudes dentro do SFN, o BC pode agir de várias maneiras, entre elas avisar o indício de irregularidade - como lavagem de dinheiro - ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). No caso de indícios de evasão de divisas, a autoridade monetária informou que "comunica o fato ao Ministério Público para apuração de eventuais ilícitos penais e abra processo administrativo para apuração de violação à legislação bancária".

O processo pode ser contra a instituição e/ou o executivo que fez a fraude e, no limite, punir com a suspensão de autorização para funcionamento do banco ou impedir que o executivo volte a atuar no mercado. Procurada, a Receita Federal não comentou o assunto.