Título: Agora nosso país está tranqüilo
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 19/07/2008, O Mundo, p. 33
Vice argentino sente o peso de sua decisão, mas se diz satisfeito.
BUENOS AIRES. Depois provocar a derrota do governo no Senado, o vice-presidente Julio Cobos foi recebido como herói na cidade de Mendoza, sua terra natal. Ontem, bem mais tranqüilo do que na madrugada de quinta-feira, quando teve de desempatar uma votação crucial para o governo que integra junto com a presidente Cristina Kirchner, o vice-presidente disse, em entrevista ao GLOBO, que tem "toda a boa vontade para continuar trabalhando e colaborando com este governo". Mas completa: "Sempre com o direito a divergir, a expressar minha opinião".
O senhor é o homem do momento... Como está se sentindo depois do voto contra o governo no Senado?
JULIO COBOS: Sinto-me com uma grande responsabilidade.
Sua decisão o tornou mais popular do que Alfredo De Angeli (líder dos produtores rurais argentinos)...
COBOS: (risos).
O senhor sente que ajudou o governo com seu voto?
COBOS: Obviamente, se não, não teria votado como votei. Não teria atuado nesse sentido. Tenho a responsabilidade de ter tomado uma decisão tão difícil, mas estou satisfeito. Fiz o que achei mais adequado e hoje o Poder Executivo anulou a Resolução 125 (que modificou a taxação das exportações de grãos). Isso permite trabalhar num plano estratégico para o setor agropecuário, de longo prazo, sem pressões, junto com o setor privado.
Alguns jornais disseram que sua decisão teria levado a presidente a pensar na possibilidade de renunciar...
COBOS: Não, veja bem, estamos falando da ratificação legislativa de uma resolução de um ministro da Economia que não está mais no governo (Martin Losteau). Colocar em risco as instituições, o Poder Executivo, me parece uma versão absurda.
Néstor e Cristina Kirchner têm certa dificuldade em tolerar críticas. Como o senhor imagina que será, agora, sua convivência com a Casa Rosada?
COBOS: Estamos num governo de concertação, um governo integrado por uma presidente do Partido Justicialista e um homem da União Cívica Radical. Devemos entender que podem surgir diferenças e, a partir dessas diferenças, podemos atuar, mas sempre pensando no benefício de todos.
O slogan da campanha eleitoral do ano passado foi "Cristina, Cobos e você". O senhor continua sentindo-se parte deste governo?
COBOS: Claro que sim, sou parte do governo.
Sua decisão não o afastou um pouco da Casa Rosada?
COBOS: Isso ficará mais claro daqui a algum tempo. Da minha parte tenho toda a boa vontade para continuar trabalhando e colaborando com este governo. Mas sempre com o direito a divergir, a expressar minha opinião. Neste caso, não votei contra um modelo, votei pelo consenso. Porque me parecia que um empate em 36 votos não levaria a uma decisão capaz de resolver o conflito. As pessoas queriam um acordo, queriam consenso.
O senhor tem outras divergências com o governo, por exemplo, as medidas de combate à inflação e a atuação do Indec (o IBGE argentino, acusado de manipulação de dados)...
COBOS: São visões complementares. Assim funciona uma concertação.
O deputado Agustín Rossi (chefe da bancada do governo na Câmara) disse que os votos obtidos na eleição de outubro passado (46% do total) são da presidente, e não do senhor...
COBOS: Bom, se é assim não sei quem me elegeu (risos).
O senhor, além de ser vice-presidente, é presidente do Senado. Por que não está participando do encontro de Cristina com congressistas, hoje (ontem), na residência de Olivos?
COBOS: Porque é um encontro com congressistas da Frente para a Vitória (sublegenda do Partido Justicialista liderada por Kirchner).
Congressistas que votaram contra o governo não foram convidados?
COBOS: Não sou eu que tomo essas decisões.
O senhor foi recebido como herói em Mendoza. Esperava essa reação?
COBOS: Não, sinceramente não. Mas isso mostra o grau de angústia que predomina entre nossos cidadãos.
O senhor acredita que sua decisão ajudou a pacificar o país?
COBOS: Sim, o país estava esperando essa definição, e é muito bom ver que agora nosso país está tranqüilo. (J.F.)