Título: Antes tarde...
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 20/07/2008, Opinião, p. 7

A Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados finalizou, há duas semanas, as audiências públicas previstas para o debate do tema. Nessas audiências, consolidou-se entendimentos importantes a respeito da complexidade da política tributária nos três níveis da Federação. Há um razoável consenso de que a carga tributária não pode subir mais. E um desejo generalizado de simplificação do sistema, além de uma expectativa enorme de que uma nova política tributária seja mais leve, eficiente e colabore com o espírito empreendedor do nosso empresariado.

Em diversos fóruns empresariais, a complexidade dos tributos tem sido apontada como o grande entrave para o desenvolvimento dos negócios numa economia estabilizada e em crescimento. Pesquisas de opinião feitas pela CNI chegaram ao mesmo resultado, sendo que o ICMS é apontado como o tributo mais complexo.

Nos debates também ficou claro o quanto será difícil construir um projeto razoavelmente consensual. Mas alguns pontos parecem ter amplo apoio:

- Desoneração total dos investimentos.

- Ampliação de itens que podem ser creditados como parte do processo produtivo.

- Menos tributos sobre a folha salarial.

- Unificação de diversos tributos federais, simplificando o sistema.

- Unificação do ICMS em uma única legislação aprovada no Congresso.

- Transferência do ICMS para o destino.

- Criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.

- Garantia dos recursos da seguridade social.

- Instituição de regras mais rígidas de anterioridade.

- Desoneração dos produtos da cesta básica.

Esses pontos parecem ter obtido um razoável consenso e, muito provavelmente, estarão no texto final do relator, deputado Sandro Mabel, que tem se dedicado integralmente ao tema.

Há também temas de difícil solução. A convalidação dos benefícios fiscais contratados nos últimos anos lidera essa lista. Não há solução óbvia para a questão.

Há propostas inovadoras, mas de difícil praticidade. Unificar o novo ICMS ao IVA federal seria uma delas. Mas, no momento, não há como chegar a um acordo com os estados. Unificar a legislação do ICMS e o IVA federal é, agora, o mais seguro e permitirá uma união futura desses tributos.

Alguns líderes, de muito boa-fé, acreditam ser possível eliminar a tributação sobre a folha de salários e não apenas diminuí-la, substituindo-a por um adicional no IVA federal. Além da instabilidade que causaria na Previdência Social, o impacto da substituição é de difícil mensuração. O alegado benefício à competitividade da empresa nacional não parece se sustentar, na medida em que o câmbio tende a se ajustar compensando essas medidas.

Quando, em 2004, instituímos o PIS-Cofins sobre os produtos importados, melhoramos o sistema de tributação. Mas a competitividade não evoluiu, pois o real também se valorizou um pouco mais, provavelmente na medida exata da tributação adicional ao produto importado.

A transferência do ICMS para o destino parece consolidada. Com isso, as políticas de incentivo serão substituídas por políticas de desenvolvimento regional com base num fundo próprio. E se elimina uma grave distorção do atual ICMS, que é o acúmulo de crédito por empresas exportadoras com operações interestaduais, que tem levado os balanços de grandes e importantes empresas a uma situação insustentável.

Resta a resposta a uma pergunta muito freqüente: a reforma vai ser votada mesmo? O ano eleitoral não seria um entrave intransponível a uma reforma constitucional? A julgar pela disposição do governo, do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, dos líderes partidários e da Comissão Especial da Reforma Tributária, ela será votada. Também no Senado o presidente Garibaldi Alves e importantes líderes se mostram compromissados. Oferecer à sociedade uma política tributária mais moderna e eficiente é uma obrigação política do Congresso. Não parece que ele deixará de fazê-lo.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP), foi ministro da Fazenda e é presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara.

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