Título: Siderúrgica usaria carvão vegetal de madeira derrubada ilegalmente
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 20/07/2008, Economia, p. 30
Fiscais do Ibama identificaram quatro fornecedores irregulares. Atividade é associada a trabalho insalubre.
BODOQUENA e CORUMBÁ (MS). Em Mato Grosso do Sul, os lucros da mineradora de Eike Batista, que nos últimos meses comemorou a ascensão meteórica das ações de suas empresas na Bolsa, estariam associados a uma das faces mais arcaicas da economia brasileira: a produção de carvão vegetal a partir de madeira derrubada ilegalmente. A siderúrgica da MMX em Corumbá é apontada como cliente de carvoarias do Pantanal que submetem famílias inteiras, incluindo crianças, a condições de trabalho insalubres e próximas às da escravidão.
No interior do estado, fiscais do Ibama e do Ministério Público do Trabalho travam uma luta de gato e rato para reprimir a ação dos carvoeiros. A atividade dos fornos de barro passou a ser intensificada à noite, numa estratégia para disfarçar as colunas de fumaça que denunciam a queima ilegal de madeira. Mas os vestígios de derrubadas recentes estão em toda parte nos arredores das estradas que cortam a rodovia que liga Campo Grande ao pólo siderúrgico.
A devastação acelerada já ameaça paraísos ecológicos como Bonito, conhecido por suas grutas, cachoeiras e rios de água cristalina. Na cidade vizinha de Bodoquena, o Ibama identificou, nas últimas semanas, quatro fornecedores de carvão irregulares para a MMX. Os fazendeiros que criam gado na região deixam que os carvoeiros derrubem a mata em suas propriedades em troca da abertura de pastagens e de uma comissão de 5% sobre o valor do carvão, que segue para as usinas a R$2.430 o caminhão.
Ao avistar a equipe do GLOBO, o capataz de uma das carvoarias da área, José Rodrigues, quis se certificar de que os repórteres não eram policiais. Ele admitiu que a maioria de seus funcionários não tem carteira assinada e sofre de bronquite e outros problemas respiratórios por causa da inalação de fumaça. Mas negou maus-tratos e disse pagar em torno de R$600 mensais a cada um.
- Os outros carvoeiros fazem muita judiaria com os empregados, mas eu trato bem os meus. Só queria que esses fornos ficassem mais longe da estrada para eles não saírem escondidos atrás de cachaça - reclamou.
No entorno do pólo siderúrgico, as queixas são contra o barulho e a poluição gerados pelas usinas. Na comunidade de Antonio Maria Coelho, batizada em homenagem ao marechal que reconquistou Corumbá na Guerra do Paraguai, em 1867, as cerca de 20 famílias que resistiram à chegada das siderúrgicas contam que o bombeamento de água para resfriar as turbinas da MMX e da Rio Tinto secou o córrego que abastecia as casas. As empresas passaram a bancar a visita diária de um caminhão-pipa.
Os moradores plantam, ainda, grama para tentar conter as jazidas de minério que, mesmo assim, insistem em brotar do chão.
- De noite, a usina faz cada estouro que chega a tremer a casa. Tem vezes que a gente nem consegue dormir - conta a doceira Edil Corrêa.
Por causa dos impactos da siderúrgica, Eike virou o alvo preferido dos ambientalistas que militam na defesa do Pantanal. Para melhorar a imagem do grupo, o empresário - que já prometeu limpar a Lagoa Rodrigo de Freitas com recursos próprios - comprou uma área de 20 mil hectares na Serra do Amolar. A área foi transformada numa reserva verde e ganhou o nome do ex-ministro de Minas e Energia Eliezer Batista, pai do dono da EBX.
- É propaganda enganosa para impressionar os investidores estrangeiros. As multas aplicadas pelo Ibama mostram que o discurso de Eike não condiz com a prática - diz Patricia Zerlotti, coordenadora da ONG Ecoa. (Bernardo Mello Franco)