Título: Mudanças sem risco de gritaria
Autor: Paul , Gustavo
Fonte: O Globo, 21/07/2008, O País, p. 3

Ogoverno enviará ao Congresso Nacional, no mês que vem, dois projetos de lei com mudanças na Previdência Social, para tentar melhorar o atendimento dos segurados e tirar as contas da Previdência do vermelho ainda nesta gestão. Em reunião no Palácio do Planalto na semana passada, o ministro da Previdência Social, José Pimentel, recebeu o sinal verde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para finalizar os textos. Sem interesse em retomar as polêmicas propostas de reformas constitucionais no setor neste mandato, o governo vai continuar investindo em mudanças de gestão para tentar aprimorar a eficiência do sistema. O primeiro projeto prevê a inversão do ônus da prova quando o trabalhador for pedir aposentadoria.

Desde 1991, cabe ao segurado provar que contribuiu e tem direito à aposentadoria. A meta do ministério é fazer com que, a partir de janeiro de 2009, caiba ao INSS levantar os dados do servidor para os casos de aposentadoria por idade. Em 2010, o sistema passaria a funcionar para quem pedir aposentadoria também por tempo de serviço.

- Queremos que o aposentado, quando chegar ao guichê da agência, em vez de ele comprovar as condições (para aposentar), a Previdência que faça isso. Já podemos fazer essas aposentadorias por idade tão logo o Congresso aprove o projeto - disse Pimentel.

Rurais ficarão na conta do Tesouro

Para conseguir isso, o governo está investindo R$140 milhões na Dataprev (empresa de processamento de dados da Previdência) para implantar o Cadastro Nacional das Informações Sociais (CNIS). Atualmente, já existem dados disponíveis desde 1994 e o objetivo da Dataprev é estendê-los até 1976. O banco de dados do ministério irá cruzar dados do cadastro de empregos, do FGTS e do CPF, por exemplo.

O segundo projeto foi concebido para fazer a separação formal das contas das aposentadorias urbanas das especiais (rural, pesca artesanal e atividade extrativista). Hoje, boa parte do déficit da Previdência vem das aposentadorias rurais - que não têm a contrapartida da contribuição -, e o governo quer deixar isso claro para a sociedade. Dos R$15,5 bilhões do rombo da Previdência acumulado até maio, R$13,3 bilhões são das aposentadorias especiais e apenas R$2,2 bilhões são resultado da Previdência urbana.

Para Pimentel, trata-se de um problema, pois apenas os urbanos efetivamente contribuem para o sistema. Este fenômeno é antigo, mas só no ano passado o governo resolveu atacá-lo.

- O nosso esforço é fazer a Previdência ser superavitária ainda neste governo. O projeto vai dar mais transparência à contabilidade previdenciária no Brasil. Já fazemos a separação administrativa, e vamos transformá-la em algo legal - explicou o ministro.

Divisão garantirá mais transparência

Pimentel considera ser possível chegar a um acordo no Congresso para a aprovação dos dois projetos ainda no segundo semestre deste ano.

- Como essas matérias não têm divergências, por se tratar de assunto de Estado, acredito que os líderes partidários vão dar celeridade - afirmou o ministro, que é deputado federal pelo PT do Ceará.

Pimentel espera alcançar o superávit nas contas da Previdência urbana até 2010, levando-se em conta um crescimento da economia da ordem de 4% ao ano. Dessa forma, o rombo do sistema como um todo - incluindo a aposentadoria rural, a do serviço público e a urbana, além da assistência social - continuará existindo, mas será mais fácil encontrar onde ele está e, a partir daí, procurar as soluções. Boa parte da conta, portanto, ficará ainda para o Tesouro Nacional.

Para analistas ouvidos pelo GLOBO, a medida é boa justamente por permitir a transparência das contas e para verificar quanto os trabalhadores urbanos subsidiam os aposentados rurais. Mas a medida não ataca os problemas estruturais do sistema previdenciário brasileiro, como tempo para aposentadoria, indexação dos benefícios ao salário mínimo e distorções entre categorias profissionais.

- O crescimento econômico, nos próximos anos, poderá até tirar a Previdência urbana do vermelho, mas os problemas continuarão. A maior transparência é como um exame que diagnostica a doença, mas não a cura - avaliou o pesquisador Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).