Título: Investida jurídica contra a mídia oposicionista
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 20/07/2008, O Mundo, p. 37

BUENOS AIRES

Em maio passado, o jornalista venezuelano Mario Villegas, que trabalha na assessoria de imprensa do Seniat (a Receita Federal da Venezuela), recebeu um telegrama no qual era informado que o órgão decidira transferi-lo para a cidade de Santa Elena de Uairén, a 1.400 quilômetros de Caracas, na fronteira com o Brasil. A notícia não surpreendeu o jornalista, que publica artigos no jornal "El Mundo" e critica as reformas comandadas pelo presidente Hugo Chávez. Casado, pai de cinco filhos e com uma mãe em delicado estado de saúde, Villegas, irmão do ex-embaixador da Venezuela em Brasília, Vladimir Villegas, não pensou duas vezes e entrou na Justiça contra o Seniat, argumentando que o organismo não podia decidir, unilateralmente, seu destino.

- Sinto que esta decisão foi um castigo por minhas colunas de opinião. Aqui existe uma tendência muito forte de pensar que cargos públicos só podem ser exercidos por aliados do governo - disse o jornalista.

O caso foi comentado pelos principais meios de comunicação do país. Semana passada, os tribunais de Caracas determinaram que o jornalista pode permanecer na capital do país até que o processo seja encerrado.

- No governo venezuelano existe uma manifesta aversão a jornalistas críticos. Também devo dizer que, nos últimos tempos, muitos setores da imprensa confundiram o papel que devem cumprir e atuaram como militantes políticos - comentou Villegas.

De fato, em abril de 2002, os principais meios de comunicação respaldaram o governo de Pedro Carmona, que durou apenas 47 horas, e evitaram denunciar o golpe de Estado que derrubara Chávez. No entanto, disse Villegas, a posição de alguns setores da imprensa não justifica a tentativa do governo de silenciá-los.

Prisão de até 30 meses para jornalistas que publicarem "ofensas" ao presidente

Depois de ter retornado ao Palácio Miraflores, o presidente venezuelano deu impulso a uma série de medidas interpretadas como ameaças à liberdade de expressão por ONGs locais e internacionais. Em dezembro de 2004, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Social de Rádio e TV. Em março de 2005, a Assembléia Nacional aprovou a reforma do Código Penal, que estabeleceu pena de seis a 30 meses de prisão para quem "ofender de maneira grave" o presidente.

Paralelamente, Chávez controla dezenas de meios de comunicação estatais: dos oito canais de TV nacionais, quatro são estatais (Telesur, Venezolana de Televisión, Vive TV e o canal da Assembléia Legislativa). Existem, ainda, cerca de 150 jornais estatais. No ano passado, o presidente não renovou a concessão da RCTV, provocando repúdio mundial. Poucos meses depois, o canal de TV Globovisión foi ameaçado pelo governo, mas o presidente terminou optando por evitar um novo conflito.

- A sensação que temos é de que os chavistas, sobretudo o presidente, são hipersensíveis e não suportam qualquer tipo de crítica. Mas nosso dever é continuar informando e também opinando - assegurou Villegas.

Para o diretor do jornal "El Nacional", Miguel Henrique Otero, Chávez tem uma concepção comunista do papel dos meios de comunicação:

- Chávez criou um esquema de hegemonia comunicacional, termo usado pelos países comunistas, que busca controlar a informação que circula no país.

Segundo o diretor de um dos principais jornais do país, que publica artigos de dirigentes chavistas, o presidente busca prejudicar meios de comunicação opositores, considerados inimigos, "vetando a entrega de publicidade oficial e atacando, constantemente, nossas empresas". Há cinco anos, o "El Nacional", acusado por Chávez de ter participado do golpe de 2002, nada recebe de publicidade oficial. Seus jornalistas não podem participar de entrevistas coletivas organizadas por funcionários do governo e tiveram sua entrada vetada no Palácio de Miraflores.

- Tentamos fazer nosso trabalho da melhor maneira possível. Em muitos casos pedimos ajuda a correspondentes estrangeiros, que fazem perguntas em nosso lugar nas coletivas do governo - comentou Otero.

Na visão da jornalista Gloria Bastidas, que colabora com vários jornais, "existe um clima de medo" entre os jornalistas. "Continuamos fazendo nosso trabalho porque nosso país tem uma profunda cultura democrática, e isso Chávez não conseguiu destruir".

- Quando surge uma denúncia, o governo ataca a imprensa e não responde às acusações - disse ela.

Segundo Gloria, "o caso RCTV foi um dos principais fatores da derrota de Chávez no referendo sobre seu projeto de reforma constitucional".

Depois de fechar 3 TVs, Correa ameaça rever concessão de 300 rádios

O resultado da manobra chavista não parece ter assustado um de seus principais parceiros na região, o presidente do Equador, Rafael Correa, que semana passada ordenou a intervenção em três emissoras de TV e 195 empresas de um grupo financeiro que, segundo o governo, sacou dinheiro público de forma ilegal para tentar salvar um banco. Correa pretende rever as concessões de 300 rádios e TVs do país.

Na visão de Paul Bonilla, professor de comunicação da Universidade Central do Equador, "existe uma atitude hostil do governo em relação aos meios de comunicação, foi assim desde o primeiro dia de gestão, mas é exagerado compará-lo com Chávez":

- Também é importante dizer que os meios de comunicação adotaram uma atitude muito dura com o governo de Correa - disse Bonilla. - O presidente optou por desafiar os meios de comunicação, mas não está cometendo um delito, juridicamente sua atuação é correta. É uma decisão política, outro governo talvez não fizesse nada e buscasse um acordo com a imprensa.

Para ele, "o principal objetivo de Correa é silenciar meios opositores e garantir um triunfo no referendo sobre a reforma constitucional". (J.F.)