Título: Lobby de US$260 milhões
Autor:
Fonte: O Globo, 23/07/2008, Economia, p. 21

Relatórios do Serviço de Inteligência da Polícia Federal, aos quais O GLOBO teve acesso, apontam que o grupo de lobistas suspeitos de ligação com o banqueiro Daniel Dantas - integrado, segundo a PF, pelo ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh - exigiu em março deste ano US$260 milhões para viabilizar a criação da supertele (fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, que foi assinada em abril) junto ao governo federal. O dinheiro seria usado posteriormente para a formação de "caixa dois" para campanha eleitoral, acusa a PF. O grupo, segundo o relatório, tinha acesso à ante-sala da Presidência da República, passava por ministros, deputados e senadores.

Na sexta-feira, antes de deixar o caso, o delegado Protógenes Queiroz determinou, no relatório final da Operação Satiagraha, a abertura de inquérito específico para investigar a participação de Greenhalgh e também do publicitário Guilherme Henrique Sodré, o Guiga, na suposta quadrilha encabeçada por Dantas. Em 175 páginas, o relatório detalha a participação de 13 pessoas, todas indiciadas por gestão fraudulenta e formação de quadrilha, no esquema de Dantas.

PF: valor foi cobrado de Citi e Opportunity

"É nele (Dantas) que se concentram todas as decisões em se tratando de estratégias, investimentos, aporte de recursos ou qualquer saída dos respectivos caixas do Grupo Opportunity, utilização do mercado paralelo de moeda estrangeira, habituais e sucessivas transferências de cotas societárias entre a cúpula do grupo", diz o relatório de Protógenes, que cita Greenhalgh como integrante "de um escalão especial" do grupo do dono do Opportunity.

Os US$260 milhões cobririam o "custo" para o "trabalho" de tráfico de influência para viabilizar a criação da supertele - que ainda depende de mudanças na legislação em vigor. Segundo a PF, Opportunity e Citi deveriam arcar cada um com US$130 milhões. Em uma conversa telefônica grampeada, dia 26 de março, entre Greenhalgh e Humberto Braz (braço direito de Dantas, que está preso), a PF constata que a proposta pendente era do Citi, que envolvia um terço do valor da Telemig. Seria "o equivalente a US$110 milhões, mas os lobistas insistem em receber do Citi a quantia de US$130 milhões para conseguir a efetivação do negócio junto ao governo federal, chegando à diferença de US$20 milhões", segundo análise policial.

A divergência para a efetivação do acordo não estava no valor do negócio, acertado em US$6,7 bilhões, e sim em quanto cada parte interessada estaria disposta a pagar para a criação da supertele. A PF diz que os US$260 milhões "possivelmente irão constituir caixa 2 de alguma campanha eleitoral". O relatório, de março, frisa ainda que, como não existe na legislação autorização para a fusão das operadoras de telefonias envolvidas, "os lobistas estão atuando para que o negócio, que já se concretizou de fato, seja autorizado pelo governo federal como de direito e, para isso, cobram o seu preço".

Em outras gravações, Greenhalgh, Braz e Guilherme Sodré - classificados pela PF em outro relatório como o trio encarregado dos lobbies junto ao governo - citam nomes poderosos: a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (identificada como Margaret, em alusão à dama-de-ferro Margaret Tatcher), o ministro da Integração Regional, Geddel Vieira Lima, e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

Em um diálogo monitorado pela PF, dia 13 de março, Greenhalgh diz a Braz que recebeu um recado de Dilma, com referência à venda da Br Telecom: "Diga ao Greenhalgh que eu não quero falar sobre o assunto, que o governo já se meteu demais sobre esse assunto. Esse assunto é para morrer mesmo". Nos encontros que o grupo diz ter tido com a ministra, a PF registrou que checou a agenda de Dilma: ela estaria livre nos momentos citados pelo petista.

Os relatórios também indicam que o grupo afirma ter sido informado pelo senador Heráclito Fortes (DEM) de que, embora seja da oposição, ele foi a plenário defender a ministra dos ataques por causa do chamado dossiê FHC, alvo de ataques contra Dilma na época. O senador teria defendido a ministra a pedido do grupo de Dantas.

Na mesma análise em que aponta o suposto dinheiro para caixa dois, a PF afirma que "não há como afirmar a existência de autoridades federais (com foro privilegiado) envolvidas, por isso, até o momento, os lobistas estão vendendo aos interessados pelo negócio possível e pretendem atuar como tráfico de influência de ministros de Estado, talvez com a participação de deputado federal ou senador da República, que não são objeto dessa investigação". A afirmação "não são objeto dessa investigação" aparece em negrito. Caso um dos investigados fosse autoridade pública, a investigação não poderia mais ser tocada sem autorização prévia do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em seus relatórios, a PF diz que Greenhalgh, Braz e Sodré devem ser acusados pelo menos por formação de quadrilha e tráfico de influência e, futuramente, por corrupção. Greenhalgh tem alegado que presta serviços advocatícios para Dantas, mas segundo a PF, "os serviços prestados a Daniel Dantas passam longe da assessoria jurídica (...) é provável que exista um contrato de prestação de serviços advocatícios para justificar os pagamentos que recebe". O petista foi procurado pela reportagem ontem, para falar sobre o caso, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.