Título: Cristina Kirchner perde seu principal assessor
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 24/07/2008, O Mundo, p. 32

Saída do chefe de Gabinete aumenta a crise política na Casa Rosada após histórica derrota em votação no Senado.

BUENOS AIRES. O inferno astral da presidente argentina, Cristina Kirchner, parece estar apenas começando. Depois de ter sofrido uma dura derrota no Congresso semana passada - provocada pelo voto do vice-presidente e presidente do Senado, Julio Cobos, contra um projeto enviado pelo Poder Executivo para modificar o sistema que taxa as exportações de grãos - ontem de manhã a presidente recebeu uma notícia difícil de digerir: a renúncia do chefe de Gabinete, Alberto Fernández. No governo desde maio de 2003, quando Néstor Kirchner assumiu o poder, o chefe de Gabinete era braço direito de Cristina.

Ex-chefe de Gabinete estava envolvido em escândalo

Menos de uma semana após o revés no Senado, Fernández enviou uma carta à presidente, na qual afirmou que "a certeza de que se abre uma nova instância em seu governo, na qual a senhora poderá contar com um novo elenco de colaboradores para enfrentar a nova etapa, me levou a apresentar minha renúncia." O novo chefe de Gabinete, que será empossado hoje, será Sergio Massa, prefeito do município de Tigre, na província de Buenos Aires, e homem de confiança do Casal K.

- A presidente me pediu para trabalhar com governadores, prefeitos e congressistas. Vou ser um estepe para a presidente - disse Massa, antes mesmo de ser empossado no cargo na Casa Rosada. - Sou um rapaz de 36 anos, que tem a possibilidade de colaborar com responsabilidade com uma presidente que tem vocação para transformar.

Ontem foi um dia agitado para a Casa Rosada, já que em meio ao temporal provocado pela renúncia de Fernández foi empossado o novo secretário da Agricultura, Carlos Cheppi, sucessor do desgastado Javier de Urquiza, vítima da crise com os produtores rurais. O conflito foi desencadeado por um decreto, depois enviado ao Congresso, elaborado pelo então ministro da Economia, Martin Losteau, que chegou ao governo de Cristina por recomendação de Fernández. A saída de Losteau enfraqueceu a posição do chefe de Gabinete, também culpado, no ano passado, pelo escândalo da sacola com dinheiro encontrada no banheiro da então ministra da Economia, Felisa Miceli.

Pela primeira vez, o casal Kirchner perdeu um de seus principais colaboradores. A atuação do agora ex-chefe de gabinete foi crucial durante a campanha eleitoral de 2003 e também ao longo dos quatro anos e meio de governo do presidente Kirchner. Quando assumiu a Presidência, em 10 de dezembro passado, Cristina optou por manter os principais ministros do governo do marido, com destaque para o chefe de Gabinete. Depois de ter observado atentamente o que aconteceu no Chile, onde a presidente Michelle Bachelet optou por renovar totalmente o Gabinete e não repetir sequer um ministro do governo Ricardo Lagos, a presidente argentina foi bem mais moderada. Cristina solicitou a permanência de vários membros do governo anterior e, hoje, depois de quatro meses de crise, a presidente argentina deverá encarar uma reforma ministerial que não foi planejada - e muito menos desejada.

Após a derrota no Senado, Cristina foi vista em vários atos e cerimônias protocolares, mas quase não se referiu ao inesperado voto de seu vice-presidente, que desde a semana passada está refugiado na província de Mendoza, sua terra natal. Ao contrário de Cristina, importantes membros do Partido Justicialista (PJ) se atreveram a pedir publicamente drásticas mudanças no Ministério.

Além do afastamento de Fernández, líderes da oposição e dirigentes do peronismo exigem a renúncia do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, considerado uma das figuras mais sinistras do círculo íntimo de Néstor e Cristina Kirchner. Moreno, encarregado de controlar a inflação, um dos principais flagelos da economia argentina, foi acusado pela imprensa de ameaçar, em alguns casos com armas, empresários locais. O polêmico secretário está à frente do Indec (o IBGE argentino), alvo de denúncias de manipulação das estatísticas oficiais do país que foram parar na Justiça.

- Moreno é um funcionário ruidoso e seu temperamento não é o mais adequado para este momento - alegou o governador da província de Chubut, Mario Das Neves.

Segundo analistas locais, com sua renúncia, o chefe de Gabinete buscou justamente incentivar uma profunda reforma ministerial, que inclua a saída de figuras como Moreno.