Título: EUA propõem limitar subsídios a US$15 bi
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 23/07/2008, Economia, p. 24

GENEBRA. Os Estados Unidos anunciaram ontem que estão preparados para limitar a US$15 bilhões por ano os subsídios à agricultura doméstica que distorcem os mercados, um valor US$2 bilhões menor que a proposta anterior. Mas, em 2007, os subsídios concedidos ficaram bem abaixo desse teto: US$8 bilhões. A nova oferta, apresentada pelos americanos como grande "concessão" para salvar a Rodada de Doha -- como são chamadas as negociações para abertura do comércio mundial -, foi considerada insuficiente pela maioria dos países em desenvolvimento, sobretudo Brasil, China e Índia.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ironizou a iniciativa:

- Boa tentativa. Os US$15 bilhões são duas vezes o que é gasto hoje na prática. E são US$2 bilhões e pouco a mais do que o que foi gasto, em média, entre 2002 e 2008.

Americanos querem que Brasil abra mais seu mercado

Hoje, o teto para concessão de subsídios nos EUA é de US$48 bilhões. No ano passado, os subsídios ficaram em aproximadamente US$8 bilhões porque os preços dos produtos agrícolas no mercado internacional estavam elevados, dispensando apoio governamental.

Para Amorim, os EUA fizeram uma manobra estatística para impressionar. Calcularam uma média de gastos com base nos anos em que mais deram ajuda a seus agricultores, entre 1995 e 2007, para mostrar que gastarão bem menos agora. Para aumentar a média, incluíram anos como 1999 e 2000, quando deram quase US$25 bilhões por ano de subsídios para compensar o baixo preço das commodities.

Amorim se queixou ainda de que a proposta americana revelava o "baixo nível de ambição" dos EUA na área agrícola. Seu colega argentino, o ministro Jorge Taiana, foi mais longe:

- Decepcionante. Muitos acharam insuficiente.

A negociação agrícola envolve três pilares: apoio interno, acesso a mercado (tarifas) e subsídios às exportações. A grande discussão agora são subsídios internos. A batalha do Brasil é em relação aos que mais distorcem o mercado, ou seja, os subsídios ligados a preço e produção. O Brasil e os países em desenvolvimento do G-20 querem que os americanos limitem esses subsídios a US$13 bilhões por ano. O documento que está servindo de base para a negociação agrícola estabelece o limite entre US$13 bilhões e US$16,4 bilhões para os EUA. Perguntado se houve avanço, Amorim disse que "ninguém quis ir embora" da reunião, quer dizer, há espaço para negociação.

A oferta americana veio com uma condição: que países emergentes como o Brasil abram mais seus mercados.

- Essas reduções não são oferecidas isoladamente - afirmou Susan Schwab, representante de Comércio dos EUA.

Brasil quer evitar que etanol seja produto sensível

Ela admitiu que a oferta americana vai implicar mudanças na Lei Agrícola, recém-aprovada pelo Congresso dos EUA, de US$289 bilhões.

Peter Power, porta-voz da União Européia (UE), classificou a oferta americana de razoável e disse que os EUA podem avançar na proposta se obtiverem concessões em outros setores. Americanos e europeus exigem abertura nos setores em que eles são particularmente fortes: produtos industriais e serviços. A Casa Branca pressiona, por exemplo, por concessões nos setores automotivo, de máquinas e eletrônicos.

Peter Mandelson, o comissário europeu para o Comércio, voltou a pressionar emergentes como o Brasil a abrirem mais seus mercados, dizendo que Rodada de Doha "não é só sobre agricultura". A discussão sobre produtos industriais acabou com o Brasil fincando o pé na sua velha posição: nenhuma concessão na área industrial, disse Amorim, até que haja um avanço significativo em agricultura.

Para Luiz Claudio Carmona, do Ministério da Agricultura, tão importante quanto o montante total de subsídios vai ser a batalha para colocar um teto nos subsídios de cada produto. O Brasil exige cortes importantes dos subsídios a soja, algodão, milho e arroz. O governo também luta para evitar que o etanol seja classificado de produto sensível, o que, na prática, significa uma barreira à ambição brasileira de o país ser o grande exportador mundial do produto.