Título: Analistas criticam gafe de chanceler
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 22/07/2008, Economia, p. 24

Citação de nazista pode ser pretexto para ricos se isentarem de culpa por fracasso.

Ex-diplomatas brasileiros e especialistas em relações internacionais criticaram ontem a atrapalhada analogia do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que comparou neste sábado as táticas de negociação dos países ricos na Rodada de Doha às da Alemanha nazista, citando Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do Terceiro Reich.

Ex-embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa disse que as declarações de Amorim não contribuíram para as negociações e, mais do que isso, criaram pretexto para os países desenvolvidos se isentarem de culpa em um possível novo fracasso da Rodada Doha, que se arrasta há sete anos.

- Foi uma gafe diplomática forte e pode ser usada, mais tarde, pelos negociadores americanos e europeus, para se isentarem de culpa - disse Barbosa, atualmente presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp.

As críticas mais contundentes foram feitas pelo ex-ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia. Para ele, o diplomata brasileiro "perde o controle" em sua comparação e caminha para "colher mais um fracasso" no Itamaraty.

"O jogo é pesado mesmo. Mas, como na velha piada do sacristão comentando o sermão do padre: "O senhor foi bem, mas não precisava chamar o diabo de filho da p."", escreveu Lampreia em seu blog na internet.

Diante das reações negativas às suas declarações sobre nazismo, o próprio chanceler pediu desculpas e chegou a reconhecer no último domingo:

- Tenho que tomar cuidado com as minhas palavras.

Ontem, a representante do comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab, comentou a frase de Goebbels citada por Amorim ("uma mentira contada muitas vezes acaba sendo aceita como verdade"):

- Essa não é hora nem semana para cair em velhas retóricas para perpetuar velhas divisões ou criar nova.

Para Paulo Ferracioli, professor de Regulação do Comércio Internacional da FGV, os Estados Unidos adotaram uma estratégia corriqueira na OMC, o chamado blame game ("jogo de culpa", em inglês).

- Qualquer desculpa será usada para dificultar as negociações. É um jogo de quem culpa quem - afirma Ferracioli, que diz não acreditar que a analogia atrapalhará as negociações: - Claro que a frase causa constrangimento, mas não tem a dimensão que está sendo dada - acrescentou.