Título: Governo debaterá punição a militares por tortura
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 25/07/2008, O País, p. 12

Presidente da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, admite que assunto é polêmico, mas defende condenações.

BRASÍLIA. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, o governo brasileiro discutirá oficialmente a possibilidade de punição civil e penal para militares que torturaram e mataram os opositores do regime. O tema será assunto do seminário "Limites e possibilidades para a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante estado de exceção no Brasil", que ocorrerá no próximo dia 31, no Ministério da Justiça. A iniciativa é da Comissão de Anistia, que julga casos de reparação econômica para perseguidos políticos.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, que já defendeu publicamente punição para torturadores, participará do debate. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, também pró-julgamento dos militares, vai estar na mesa central da discussão. O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, admite que o assunto é polêmico, mas afirma que é dever do governo e de sua comissão debaterem o tema.

- A esta altura da democracia, não pode haver temas proibidos. É dever do Ministério da Justiça, diante dos inúmeros relatos de atrocidades, fazer essa discussão - disse Paulo Abrão.

O presidente da comissão defende que os militares que cometeram atos de tortura sejam julgados e condenados.

- Particularmente, acho que a Constituição não recepcionou a Lei de Anistia no que tange a perdão de crimes de tortura, que, para mim, são imprescritíveis. É factível a responsabilização civil e penal desses militares - disse Abrão.

Para debater o tema, foram convidados juristas contra e a favor da tese de punição para os militares, familiares de desaparecidos políticos, advogados, professores e ex-perseguidos políticos. Nenhum militar que atuou naquele período foi convidado. Abrão afirmou que a presença de algum desses oficiais transformaria o debate numa discussão política.

- Não queremos esse ambiente, mas uma discussão técnica.

Para falar a favor da punição, foi convidada a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, autora da ação para que o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra seja declarado torturador. O advogado criminalista Thiago Bottino do Amaral, professor da Fundação Getulio Vargas, no Rio, vai fazer uma exposição contrária à tese de responsabilidade dos militares.

Entre os 40 debatedores do seminário há uma prevalência de opositores do regime militar, como João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart; o ex-ministro de Direitos Humanos e perseguido político Nilmário Miranda; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto; além de dirigentes de várias seções estaduais do Tortura Nunca Mais.

Também faz parte do grupo o jurista José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, que defendeu vários perseguidos políticos da ditadura e tem uma posição de que a possibilidade de punir esses militares está extinta.