Título: OMC: Amorim troca farpas com Stephanes
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 25/07/2008, Economia, p. 29
Chanceler diz que ministro da Agricultura "deve achar que estou me divertindo" nas negociações em Genebra.
GENEBRA e BRASÍLIA. Em meio a intensas negociações para tentar salvar a Rodada de Doha - que visa a estabelecer regras para aumentar a liberalização do comércio mundial -, uma polêmica envolvendo ministros brasileiros tornou o dia ainda mais tenso para a delegação que acompanha o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em Genebra. Em resposta a críticas feitas na véspera pelo titular do Ministério da Agricultura, Reinhold Stephanes, o chanceler afirmou ontem que seu colega deve pensar que ele, Amorim, está "se divertindo" na Europa.
- Se ele realmente pensa isso, então deve achar que estou me divertindo aqui - afirmou Amorim, que passou mais de 12 horas negociando com representantes de outros países na quarta-feira.
Anteontem, o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou entrevista com Stephanes, em que ele afirmara que a rodada de negociações em Genebra "não servirá para nada" e que a abertura dos mercados acabará acontecendo "por razões de mercado". Diplomatas brasileiros em Genebra se sentiram ofendidos com as críticas.
- Então a gente está aqui para quê? - perguntou um deles.
Reunião pode se arrastar até a próxima semana
No Brasil, Stephanes não quis comentar as declarações de Amorim. Fontes ligadas ao ministro lembraram que, apesar de seu ceticismo quanto à Rodada Doha, compartilhada por outros setores do governo em razão da forte resistência dos países desenvolvidos em abrir seus mercados, Stephanes enviou representantes da pasta a Genebra. Os técnicos, disseram essas fontes, sequer estariam tendo acesso direto às negociações, comandadas pelo Itamaraty.
A declaração de Amorim foi dada após mais um dia de intensas negociações e poucos avanços. Alguns negociadores chegaram a considerar a suspensão das conversas antes de sábado, como previsto originalmente. Mas decidiram mantê-las hoje.
Caso não se alcance um consenso em torno dos temas mais polêmicos, os negociadores já trabalham com a possibilidade de prolongar as conversas na próxima semana. O debate sobre o capítulo de serviços, inicialmente agendado para ontem, foi empurrado para sábado. Algumas delegações já ampliaram suas reservas de hotel até a próxima quarta-feira.
- Continuaremos amanhã (hoje). Já dissemos muitas vezes e soa ridículo dizer que será um dia decisivo, mas creio que amanhã (hoje) é o dia em que saberemos se (Doha) será possível ou não - afirmou Amorim, após participar de reunião com 30 ministros de Comércio. - Tudo parecia muito mal, mas tomamos a decisão coletiva de continuar.
- Há algum avanço...mas nem perto do que precisamos - disse a representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab - Alguns países estão se esforçando mais do que outros. Veremos amanhã (hoje) se todos estão preparados para fazer sua parte.
Amorim: "pressão comigo não funciona"
As principais divergências giram em torno dos subsídios agrícolas concedidos por países desenvolvidos à produção doméstica e da pressão desses países pela abertura do setor industrial nos países em desenvolvimento. Esta semana, os EUA acenaram com uma proposta de limitar seus subsídios a US$15 bilhões por ano, US$2 bilhões a menos que a oferta anterior, mas o dobro do praticado em 2007. O Brasil e outros países emergentes defendem um teto de US$13 bilhões.
Ontem, EUA e União Européia (UE) redobraram as pressões para a redução, pelas nações emergentes, das tarifas de importação de bens industriais. Insistem em que esses países façam uma proposta, já que eles - EUA e UE - fizeram na área agrícola.
- Esse negócio de pressão comigo não funciona - disse Amorim.
O ministro deu a entender, porém, que as conversas haviam avançado no campo industrial ao dizer que o "Brasil vai ter a flexibilidade necessária para se chegar a um acordo"
O otimismo de Amorim contrasta com o clima de divergências entre as próprias nações desenvolvidas. Perguntado se ontem houvera progresso, o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, respondeu que "não". O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por sua vez, afirmou que não assinaria um acordo com base na situação atual das negociações, e logo foi criticado pela Alemanha.
- Tem-se a impressão de que a França não quer ver uma conclusão positiva - disse uma autoridade alemã. - Há diferentes pontos de vista entre Alemanha e França. A Alemanha vai continuar lutando por uma conclusão bem-sucedida.