Título: O apoio aos biocombustíveis
Autor: Moreno , Luis Alberto
Fonte: O Globo, 29/07/2008, Opinião, p. 7

Há menos de um ano, os biocombustíveis foram saudados por seu potencial de redução da importação de petróleo e de benefício aos agricultores. Hoje, os biocombustíveis são acusados de quase tudo, desde a rápida e drástica elevação dos preços dos alimentos à perda de biodiversidade no planeta. Até os jornais dizem que os biocombustíveis contribuíram para aumentar a miséria dos mais pobres.

Então, por que o Banco Interamericano de Desenvolvimento, uma grande instituição multilateral de empréstimos a qual presido acaba de aprovar um empréstimo de US$260 milhões para que uma empresa privada construa três fábricas de etanol no Centro-Sul do país por um custo aproximado de US$1 bilhão?

A resposta depende de uma distinção que tem sido esquecida no calor das crises dos alimentos e de energia. Existem dois grandes tipos de biocombustíveis: aqueles derivados de plantas de baixa energia, como o milho produzido em países de clima temperado, com áreas agricultáveis limitadas, e os biocombustíveis derivados de culturas de alta energia, como a cana-de-açúcar de países tropicais, com altos estoques de água, luz solar e áreas agricultáveis subutilizadas.

Existem preocupações legítimas de que o etanol extraído do milho tem contribuído para a inflação nos preços dos alimentos. Mas a situação da América Latina e do Caribe, que produz etanol quase exclusivamente a partir da cana-de-açúcar, é completamente diferente. Amplos estudos feitos pelo BID indicam que na maioria dos países produtores de cana-de-açúcar da região a produção da cana pode render benefícios sociais, ambientais e econômicos sem impactar os preços dos alimentos. Nós pretendemos ajudar esses países a aproveitar essa oportunidade, a partir de um marco de sustentabilidade do mais alto nível.

As vantagens comparativas da América Latina como um produtor eficiente de etanol são surpreendentes. A Colômbia substituiu 7% do combustível para transporte por etanol em menos de três anos, usando a cana antes utilizada para exportação em forma de açúcar refinado. A cana-de-açúcar produz oito unidades de energia para cada unidade usada em seu cultivo e na produção do etanol, comparado a 1,3 unidade produzida pelo milho. A Colômbia vai precisar de menos de 120 mil hectares de cana para substituir 20% de seu consumo de gasolina por etanol até 2012 - em um país onde 41 milhões de hectares são usados para a pastagem extensiva.

No Brasil, a área atualmente dedicada à cana é cerca de 45 vezes menor que o estoque de terra para agricultura e pastagens. Mesmo se 100% do combustível para transporte no país fossem substituídos pelo etanol da cana (para além dos 50% atuais), a terra necessária para cultivar a cana seria cerca da metade da área hoje utilizada para a plantação de milho. E, ao contrário de certos relatos, as florestas tropicais não estão sendo devastadas para a plantação de cana, um cultivo que não tolera a umidade e que, por isso, é feito na Região Nordeste e no Centro-Sul do país.

Vale dizer que a oferta de cana não tem sido afetada pela expansão da produção de etanol, e os preços globais do açúcar, na verdade, têm caído nos últimos dois anos.

As três novas fábricas que o BID está ajudando a financiar ficam nos estados de Minas Gerais e Goiás, longe da Amazônia e de áreas de proteção ambiental. O projeto vai arrendar terras de pequenos proprietários que terão melhores retornos financeiros com a cana do que com a criação de gado - atividade tradicional da região. As fábricas de etanol vão usar colheitadeiras mecânicas em mais de 90% da área e gerar cerca de 4.500 empregos permanentes e de qualidade. Vão reciclar todo o sumo da cana como fertilizante nos campos. Produzirão mais de 110 milhões de galões de etanol para o mercado doméstico a cada ano e vão gerar sua energia elétrica a partir da queima do bagaço da cana. Realmente, a chamada tecnologia de co-geração que será empregada é tão eficiente que produzirá um suplemento adicional de energia suficiente para produzir eletricidade para 400 mil lares de consumo médio no Brasil.

Benefícios similares, em menor escala, poderão ser, em breve, alcançados por outros países da América Latina e do Caribe, hoje muito dependentes da importação de petróleo. A Costa Rica recentemente anunciou um programa para substituir 7% de seu consumo de gasolina por etanol produzido domesticamente e em outros países. Produtores de cana de Guatemala, El Salvador e República Dominicana estão se preparando para converter o excesso de produção ou áreas inativas em produção de etanol. Essas nascentes indústrias de etanol vão reduzir as contas da importação de petróleo e vão ainda criar empregos nas áreas rurais, lugar de origem de muitos imigrantes ilegais para a Europa e os Estados Unidos.

Em lugar de atacar indiscriminadamente os biocombustíveis, os tomadores de decisões devem apoiar esforços para garantir sua sustentabilidade. Autoridades no Brasil e na Colômbia já estão desenvolvendo sistemas de certificação que garantirão aos produtores alcançar salvaguardas reconhecidas internacionalmente. O BID vai em breve divulgar um "Marco de Sustentabilidade" que facilitará a avaliação de potenciais projetos de biocombustíveis.

Os biocombustíveis vão suprir somente uma mínima parte da demanda por energia do mundo e eles não são uma boa opção em muitos lugares. Mas os países abençoados com as condições ideais para sua produção devem ser encorajados e não condenados.