Título: Mais mortes e menos prisões
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 27/07/2008, Rio, p. 18
De 2000 a 2007, número de detidos para cada suspeito morto caiu 87,5%
Cláudio Motta
Apolícia do Rio prende cada vez menos e mata cada vez mais na cidade, além de continuar morrendo muito. É o que revela uma pesquisa, que vai ser apresentada esta semana, realizada pelo Núcleo de Informações em Segurança e Violência do Instituto Pereira Passos (IPP), da prefeitura, com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), do governo do estado. Em 2000, para cada morte de um suposto criminoso em confronto com a polícia (o chamado auto de resistência), foram feitas 56 prisões; no ano passado, apenas sete - uma redução de 87,5%.
- A prisão em flagrante está sendo abandonada, deixando de ser a função precípua da polícia, que opta pela execução. Isso fica claro com a morte do rapaz (Luiz Carlos Soares da Costa) que trabalhava na Infoglobo - afirma Ana Paula Miranda, ex-presidente do Instituto de Segurança Pública (da Secretaria de Segurança) e atual coordenadora do núcleo de pesquisa do IPP.
A polícia que está matando cada vez mais também se torna vítima dos confrontos, num patamar considerado alto por especialistas em segurança: foram 40 óbitos em 2003 e 30 no ano passado. Esses números são de mortes de policiais em serviço.
Criminalidade continua em alta
Ao contrário do que poderia sugerir o aumento do número de mortes de supostos bandidos em confrontos, a criminalidade está longe de diminuir. De acordo com a mesma pesquisa, o número de roubos na cidade vem crescendo ano a ano desde 1998, quando houve 40.641 registros. No ano passado, foram 89.288, um crescimento de 119,6% em dez anos. Apenas 2004, com 75.751 ocorrências, teve menos registros do que o ano anterior - 80.519, em 2003.
- É uma política que ultrapassou governos e foi se agravando nesse período. As conseqüências do mau uso do enfrentamento é nocivo para todos os lados: para a sociedade, porque tem muitos inocentes sendo condenados sem direito a julgamento, e para os policiais. Os números atuais de mortes de policiais são maiores do que os registrados no governo Marcello Alencar, quando houve aumento dos confrontos com a implementação da gratificação faroeste (bônus para os policiais que matavam em combate, instituído em novembro de 1995) - diz Ana Paula.
Outro aspecto que chamou a atenção da pesquisadora foi o aumento do número de mortes de supostos bandidos em confrontos com policiais civis. Neste caso, ela comparou os registros de apenas dois anos. Em 2006, foram 27 registros, passando para 42 no ano seguinte, um crescimento de 55,5%.
- O aumento dos autos de resistência da Polícia Civil é pequeno, mas significativo - diz ela, chamando a atenção para o fato de que a Polícia Civil tem a função de investigar, e não de fazer policiamento ostensivo, estando portanto menos sujeita a se envolver em confrontos, como a PM. - A crescente participação da Polícia Civil em operações mostra que seu papel tem que ser definido.
Um dos casos que engrossam a participação da Polícia Civil nos registros de autos de resistência ocorreu na última terça-feira. Após serem atacados quando voltavam, em helicópteros, de uma operação em favelas do Estácio e do Rio Comprido, policiais saltaram na Rua Vitória Régia, na Lagoa, e trocaram tiros com traficantes junto ao Morro dos Cabritos. Helton Lima da Silva, de 22 anos, foi enrolado num lençol e levado para o Hospital Miguel Couto, aonde chegou morto. O bandido tinha quatro passagens pela polícia e uma condenação por roubo à mão armada.
Presidente do Sindicato de Delegados da Polícia Civil, Jessica Oliveira de Almeida afirma que o papel da polícia é mediar conflitos, com ênfase na prevenção, em vez do confronto:
- A gente tem que repensar a política de segurança. Hoje operamos com um paradigma militarista. Precisamos adotar um paradigma prevencionista.
Para o presidente da Associação de Praças da PM e do Corpo dos Bombeiros (Aspra), Vanderlei Ribeiro, o policial nas ruas é vítima da política de segurança e de problemas na estrutura da corporação.
- Há policiais revoltados com o tratamento que têm recebido do governo. O modelo atual tem que ser mudado. As polícias Militar e Civil, além da Secretaria de Segurança, têm serviços de inteligência, mas eles não interagem porque disputam espaço. Oficiais estão concentrados nos batalhões. Se são mais preparados, têm que estar nas ruas fiscalizando, orientando, tomando decisões.
O presidente do Clube de Cabos e Soldados da Polícia Militar, tenente Jorge Lobão, também criticou a política de enfrentamento:
- O resultado não podia ser outro: mortes crescendo e prisões caindo. A morte de policiais é preocupação não só dos soldados, como da sociedade. Choro por um PM assim como fico traumatizado vendo pessoas inocentes sendo baleadas em operações inúteis.
Criticar a política de confronto não significa, porém, combater os mecanismos de defesa da polícia. De acordo com a pesquisadora do IPP, o auto de resistência é um instrumento legal e legítimo para assegurar o monopólio do uso da força, mas não pode ser usado para mascarar execuções:
- O auto de resistência tem sido utilizado politicamente. No "kit auto de resistência", há pressuposição de culpa da vítima. Não estou defendendo bandido, ao contrário, defendo a sociedade e a polícia. Policial não é para morrer, não tem que morrer. Por pior que ele seja, para colocar outro no lugar dele, demora anos.
Especialista defende novo treinamento
Para diminuir os índices de letalidade, Ana Paula sugere a premiação da não reação. De acordo com ela, a medida foi adotada em São Paulo com sucesso. Além disso, Ana Paula defende mudanças na formação de policiais e o aumento do número de cursos de aperfeiçoamento. Procurado pelo GLOBO, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, não quis se pronunciar.
A pesquisa do IPP considerou apenas os 5.159 autos de resistência registrados na capital de 2000 a 2007. O número representa 67% dos 7.588 contabilizados em todo o estado.
- É a cidade que temos que olhar. Essas mortes aconteceram, basicamente, nas zonas Oeste e Norte, mas temos um crescimento, nos últimos anos, na Zona Sul e no Centro. Ou seja, não houve redução nas áreas críticas e o crime está aumentando nas outras áreas - disse Ana Paula.