Título: A escuta passou a ser um instrumento banal
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 27/07/2008, O País, p. 12
Para o jurista Ives Gandra Martins, a atitude da Polícia Federal nas ações contra os chamados crimes do colarinho branco tem tido efeitos cinematográficos, afetando garantias constitucionais. Segundo ele, o Estado adotou caráter policial e os exageros podem levar o país ao regime de exceção.
Flávio Freire
O que o senhor acha da postura da Polícia Federal e da Justiça nas operações feitas para combater o crime do colarinho branco?
IVES GANDRA MARTINS: Eu acho que houve melhora considerável no nível da PF se compararmos com 20, 30 anos atrás. Temos gente mais capacitada e um quadro mais confiável do ponto de vista da idoneidade moral. Mas não vejo, na atuação da PF, a necessidade dos efeitos cinematográficos, porque afetam garantias constitucionais.
Qual a garantia que está sendo violada?
GANDRA: O direito à dignidade humana, à privacidade. Os efeitos cinematográficos têm poucos resultados positivos, basta verificarmos as operações feitas nos últimos quatro anos para ver quem foi condenado, quais os denunciados e quantos processos resolvidos. Poucos.
O senhor crê que esse tipo de ação cria uma luta de classes, de ricos contra pobres?
GANDRA: A afirmação de que os ricos têm que sofrer as mesmas humilhações que os pobres é incorreta. Não pode ter humilhação nem para o pobre nem para o rico, mas justiça.
Os excessos partem apenas da polícia?
GANDRA: No momento em que a investigação passa a ser do MP e da magistratura, não se pode apenas jogar em cima da PF. O MP e muitos juízes têm responsabilidade. Aquilo que a lei determina como último recurso possível de uma investigação (escuta) passou a ser o instrumento banal. Invertemos a Constituição: o excepcional passou a ser a regra.
Hoje se discute a elaboração de novas regras para utilização das escutas...
GANDRA: Sou totalmente favorável, para evitar os exageros.
Os advogados de defesa reclamam do uso de algemas.
GANDRA: Sou contra. Algemas nunca foram utilizadas, a não ser num criminoso de alta periculosidade, assassino, um cidadão que deu tiro. Não vejo necessidade no caso de uma pessoa que nunca usou uma arma.
A polêmica em torno do abuso de autoridade tem reforçado o lobby dos advogados criminalistas para blindar seus escritórios das ações policiais. É legítimo?
GANDRA: É uma lei correta porque ela não impede que, numa investigação definida, se vá a um escritório de advocacia.
É preciso endurecer a penalização contra autoridades que cometam abuso?
GANDRA: A lei terá que ser dura nesse particular, seja para o criminoso, seja para quem abusa da autoridade.