Título: Há emparedamento de ações penais
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 27/07/2008, O País, p. 13

A procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República (RJ/ES) critica o excesso de recursos no Judiciário, principalmente quando estouram operações feitas em conjunto com a PF. Segundo Cristina Romanó, um exemplo é a denúncia contra Álvaro Lins, preso em maio, que ainda não foi recebida pela Justiça.

O que mais atrapalha a atuação do MPF nas investigações contra a corrupção?

CRISTINA ROMANÓ: O Brasil está no começo de um longo caminho para começar a ser mais enérgico em face à corrupção. Começamos bem, atingindo as pessoas certas, mas precisamos adequar a atuação do MP e do Judiciário frente a essa avalanche. Nosso sistema de leis e de processos não está preparado para seguir na velocidade certa. Por isso a população não entende esse prende e solta. O processo no Brasil é muito lento, e o direito de defesa é muito bem protegido. Os advogados sabem usar isso em todos os aspectos. Mesmo assim, meu foco como procuradora-chefe será o combate à corrupção.

A senhora poderia citar um exemplo?

CRISTINA: Fizemos a investigação junto com a Polícia Federal sobre Álvaro Lins (preso em maio), mas a denúncia sequer foi recebida. Como ele tem prerrogativa de foro, precisa apresentar uma defesa por escrito em 15 dias. Quando tivermos a denúncia, ainda temos que enviar para a Assembléia Legislativa, que pode suspender todo o processo. Isso é emparedamento de qualquer ação penal. Aprendi a conviver com a situação e não me surpreendi com o fato de ele ter sido solto. Infelizmente é isso que acontece. Temos que lutar contra essa maré, não vai ser tão cedo que a população vai sentir uma mudança efetiva na punição ou condenação de pessoas assim. Mas considero que houve um avanço extraordinário.

Depois de todo o processo de investigação, por que a resolução é sempre lenta quando chega ao Judiciário?

CRISTINA: Teria que haver diminuição no número de recursos, hoje existem muitas instâncias. Na área federal começa com um juiz singular, depois vai para o Tribunal Regional Federal. Ainda tem agravo de instrumento, habeas corpus, apelação e mandado de segurança. Isso só no TRF. Ainda pode ir para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. É demais. Em qualquer outro país, a primeira decisão só vai ser alterada se tiver algo muito grave. A Suprema Corte nos EUA só vai escutar se for algo de muito relevante. Outro problema é a batalha oral que se forma. Já tive réu solto pelo ministro do STJ ou STF, é natural, mas o ministro Gilmar Mendes não tinha nada que ficar falando na televisão. A maneira com que as pessoas conduziram o processo na Operação Satiagraha (que prendeu o banqueiro Daniel Dantas) não foi boa para nenhuma das instituições.

Crimes étnicos, como a senhora investigou no Kosovo, são mais difíceis de serem combatidos do que os de colarinho branco espalhados pelo Brasil?

CRISTINA: O conflito étnico, como no Kosovo, é mais difícil porque vem da educação das pessoas. No Brasil é complicado, falta energia, motivação e interesse público para mudar. Nossos crimes são difíceis de serem alcançados, mas dá para mudar. No crime étnico não dá, é para a vida inteira. Poderíamos resolver se houvesse mais vontade política.