Título: Temporão: País tem hoje Ministério da Doença
Autor: Perin, Orivaldo
Fonte: O Globo, 27/07/2008, O País, p. 14

Ministro diz que cuidar do cidadão quando ele chega aos hospitais é muito mais caro e defende mudança de cultura

Orivaldo Perin

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, embarcou há dois dias para a Índia levando uma convicção na bagagem: para fazer jus ao nome, sua pasta tem que mudar muito. Temporão se considera o ministro da Doença. "Cuidamos do cidadão quando ele já está doente. E isso é muito caro. Temos que trabalhar para que ele não precise ir ao hospital. Isso custará bem menos ao país." Na Índia, um dos expoentes mundiais em fármacos, ele negociará parcerias tecnológicas com empresas locais, na tentativa de abrir caminhos para a recuperação da indústria biomédica brasileira, um dos pontos críticos da saúde nacional. Antes de embarcar, Temporão, médico sanitarista filiado ao PMDB, falou sobre as críticas que vem sofrendo nas páginas políticas dos jornais e reiterou outra de suas convicções básicas: "Precisamos de uma política de saúde e não de política na saúde." Satisfeito com os primeiros resultados da lei que impõe mais rigor a quem dirige alcoolizado, o ministro sugere que a indústria de bebidas torne mais contundente, nos rótulos de seus produtos, a advertência sobre os males do álcool à saúde.

TÉCNICO X POLÍTICO: "Acusam-me de ser mais técnico que político, mas recebo todos os deputados que me procuram, não deixo ninguém sem atendimento. Vivi na ditadura, valorizo a democracia, respeito o Parlamento e acho que o diálogo com os deputados ajuda a melhorar nossas propostas para mudar a saúde. Emendas parlamentares, em tese, são coisas boas, um direito do deputado. Por outro lado, defendo não só a reforma política, mas a reforma do Estado brasileiro. O Executivo dispõe hoje de milhares de cargos com livre provimento, os tais DAS. E preenchê-los torna-se um problema a cada eleição. Penso que a nomeação de técnicos para a área de Saúde não deve passar necessariamente pelos partidos, não me parece um caminho adequado. Ousei enfrentar meu partido em relação a isso e surgiram ruídos. Precisamos de uma política de saúde e não de política na saúde. Todos ganharemos se optarmos pela primeira alternativa, estejam certos disso."

DOENÇA X SAÚDE: "O país tem hoje um Ministério da Doença que gasta fortunas com doenças. No nosso plano "Mais Saúde, Direito de Todos (2008-2011)", já apresentado pelo presidente Lula, temos uma proposta que dá a partida em direção ao verdadeiro Ministério da Saúde. Gerir saúde no Brasil, hoje, consiste em montar estruturas para atender doentes. Ou seja, só há saúde quando há hospital. Temos que mudar essa cultura. Evitar que as pessoas fiquem doentes exige estruturas mais complexas, mas o país gastará muito menos. Já caminhamos bem na área de prevenção, através do SUS. Hoje, aliás, 70% da população depende exclusivamente do SUS. São 140 milhões de brasileiros. Os outros 40 milhões são atendidos pela saúde privada, mas quem pensa que não precisa do SUS é alienado. Usa o SUS quem vai a pronto-socorro, se vacina, faz transplante, tem doença crônica grave, consome remédios em geral, todos controlados e fiscalizados pelo sistema de saúde, assim por diante. O sistema público custa R$94 bilhões/ano e o privado, R$100 bilhões/ano. O gasto per capita no setor público é um terço do privado. O ideal é termos um sistema como o da Inglaterra, universalizado. Lá, todos são iguais perante o sistema, que é totalmente público. A sociedade precisa entender que a CSS, sucessora da CPMF, não é apenas uma sigla nova."