Título: Tudo como antes no cenário da morte de Tim Lopes
Autor: Otavio, Chico; Coelho, Camilo
Fonte: O Globo, 28/07/2008, O País, p. 3

Seis anos depois do assassinato do jornalista, Vila Cruzeiro continua à espera de mudanças

Isabela Bastos

Seis anos depois do assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, por traficantes da Vila Cruzeiro, e de uma série de promessas de ações visando à recuperação do território das mãos dos bandidos, quase nada mudou na favela, que integra o Complexo do Alemão.

Tim foi seqüestrado quando fazia reportagem sobre o aliciamento de menores em bailes funk, com drogas e sexo, em 2 de junho de 2002. Foi sentenciado à morte pelo traficante Elias Maluco. O traficante foi preso em setembro daquele ano. Na caçada a Elias, as favelas foram ocupadas e os bailes funk, suspensos. Prefeitura e estado anunciaram projetos sociais, como a inclusão do Complexo do Alemão no programa Favela Bairro e a criação de postos médicos, odontológicos e centros culturais, além de unidades policiais no local. Medidas que não se concretizaram.

A violência da Vila Cruzeiro voltou à cena no ano passado, logo após a morte do menino João Hélio Vietes, arrastado por sete quilômetros na Zona Norte, por bandidos que roubaram o carro de sua mãe. O caso do menino fez a polícia estabelecer policiamento fixo no ponto onde o carro foi levado. Os PMs que montavam guarda em Oswaldo Cruz, contudo, acabaram assassinados por bandidos que, segundo a polícia, fugiram para o Alemão. A busca pelos criminosos se estendeu por três meses de operações policiais diárias, que causaram mais de 50 mortes.

O dia 27 de junho de 2007 ficou marcado como o mais sangrento: 19 pessoas foram mortas durante operação policial, episódio que ficou conhecido como "Chacina do Alemão". Em seguida, homens da Força Nacional de Segurança (FNS) foram destacados para as entradas do complexo, na tentativa, em vão, de sufocar o tráfico e dar um clima de tranqüilidade à cidade enquanto ocorriam os Jogos Pan-Americanos.

Também em 2007, após a repercussão internacional das mortes, cuja apuração até hoje não foi concluída, o governo federal anunciou que três favelas do Rio, entre elas o Complexo do Alemão, passariam por obras do PAC, orçadas em R$960 milhões. À época, a União cobrou garantias de segurança para a execução das obras. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que, com o PAC, o governo travava uma disputa com o crime organizado.

Para a mestre em antropologia social do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Leonarda Musumeci, em seis anos o cerceamento do trabalho da imprensa por bandidos só fez crescer no Rio e é a faceta audaciosa do controle que traficantes, e mais recentemente milicianos, vêm exercendo com mão de ferro sobre comunidades:

- Seis anos depois, não apenas o tráfico mas também a milícia, exerce coação sobre moradores, impondo serviços, taxas de segurança e, mais recentemente, nomes de candidatos, influindo no processo eleitoral.

Para o presidente da Federação das Associações de Favelas do Rio, Rossino Diniz, o incidente de anteontem escancara uma situação que é velha conhecida de moradores, hoje "imprensados entre o tráfico e a milícia, sem saber o que fazer". Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública classificou a ação de traficantes como uma "uma afronta ao estado democrático de direito".