Título: De área de mendigos a pólo de turismo
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 01/08/2008, O País, p. 8

Área do porto de Buenos Aires foi recuperada e, em 10 anos, virou centro residencial de luxo e atração turística

Janaína Figueiredo

Na década de 90, a capital argentina foi cenário da maior revolução urbanística do país, desde o início do século XX. Buenos Aires, uma das cidades mais visitadas da América Latina, ganhou um novo pólo turístico, localizado numa região abandonada durante décadas e onde poucos imaginaram que poderia surgir um dos bairros mais modernos e sofisticados da cidade: o porto.

Comandado pela Corporação Antigo Puerto Madero S.A., integrada por autoridades dos governos nacional e da capital argentina, o projeto de revitalização nasceu em novembro de 1989, quando foi assinado um convênio entre a Casa Rosada e o governo da cidade de Buenos Aires para transferir a suas autoridades o controle de 170 hectares que o governo nacional tinha na região portuária, peça fundamental do plano.

Na época, o metro quadrado na região era comprado por valores irrisórios. Hoje, chega a US$5.500. Após mais de uma década e meia de obras e inaugurações, Puerto Madero é símbolo de uma Buenos Aires em pleno processo de crescimento e modernização. O bairro é visitado por turistas do mundo inteiro e habitado por argentinos e estrangeiros que buscam apartamentos de luxo, segurança e localização privilegiada, já que Puerto Madero está a poucos metros do Centro da cidade.

¿ As pessoas que moram em Puerto Madero têm um alto poder aquisitivo e querem um lugar seguro, que esteja perto de tudo. O bairro tem muita natureza ao redor e está a cinco minutos do Centro ¿ diz Vanesa Leibas, diretora do jornal ¿Nuevo Madero¿, que mora e trabalha em Puerto Madero.

O projeto de revitalização do porto de Buenos Aires é considerado um dos grandes acertos da gestão do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999). Como a Argentina, o porto de sua capital foi protagonista de uma história conturbada. Em 1880, época em que o país representava 50% do PIB latino-americano e Buenos Aires era chamada de ¿a Paris da América do Sul¿, foi ordenada a construção de Puerto Madero para facilitar a exportação de alimentos do país. As obras acabaram em 1898. No início, o porto foi criticado, entre outros motivos, pelo sistema de diques paralelos à costa, que, segundo arquitetos locais, complicava a entrada de grandes navios.

O porto teve 28 anos de glória e depois cedeu o protagonismo ao Puerto Nuevo, localizado um quilômetro mais ao norte e inaugurado em 1925. Depois, foram mais de seis décadas de abandono. Puerto Madero foi invadido por ratazanas e tornou-se refúgio de mendigos. O ressurgimento só aconteceu a partir dos anos 90, quando foi criada a corporação que até hoje comanda o desenvolvimento do bairro.

Declarado Patrimônio Nacional, Puerto Madero atraiu investidores nacionais e internacionais, que nos últimos anos construíram hotéis de luxo (Hilton, Faena Universe e Sofitel, entre outros), restaurantes, grandes edifícios e prédios comerciais. Uma das novidades mais recentes do bairro, contou a diretora do ¿Nuevo Madero¿, é a chegada da companhia petrolífera Repsol-YPF, que se instalará em Puerto Madero com mais de 2.500 funcionários.

Na primeira etapa de construções, foi reformada a região oeste de Puerto Madero, a mais próxima à Casa Rosada. Após a formação da corporação, foi firmado acordo com a Sociedade Central de Arquitetos e a Municipalidade de Buenos Aires, que promoveu um Concurso Nacional de Idéias para Puerto Madero. Foram apresentados 96 projetos e, em fevereiro de 1992, os juízes do concurso anunciaram a vitória de três equipes, que passaram a integrar um único grupo encarregado de elaborar um plano de ação. Os profissionais escolhidos foram Juan Manuel Borthagaray, Cristian Carnicer, Pablo Doval, Enrique García Espil, Mariana Leidemann, Carlos Marre, Rómulo Pérez, Antonio Tufaro e Eugenio Xaus, que entregaram um projeto inicial nos últimos meses de 1992.

A corporação estabeleceu a proibição de alterar a arquitetura dos prédios históricos, como os antigos armazéns portuários. No total, 19 edifícios foram conservados. Foi projetada a construção de dois parques na região leste, criando uma área de lazer pública, e de amplas passarelas para pedestres ao lado dos antigos depósitos, transformados em restaurantes de nível internacional. Segundo autoridades da corporação, todas as obras seguiram ¿à risca o plano elaborado pela equipe vencedora do concurso¿.

Na segunda etapa, na zona leste, onde havia poucas construções originais, foram construídos edifícios residenciais modernos. Os projetos tiveram a participação de arquitetos de fama internacional, como Santiago Calatrava, Norman Foster, Cesar Pelli e o designer Philippe Starck. No bairro, considerado hoje uma espécie de ¿Manhattan argentina¿, atualmente vivem cerca de 8.600 pessoas (em 1995 eram apenas 315). Segundo projeções da corporação, em 2010 o número de habitantes chegará a 16.800.

Primeiro bairro planejado

Para Sandra Perelmuter, dona de ¿i Fresh Market¿ e ¿i Central Market¿ (ambos uma espécie de mercado gourmet, que oferece alimentos variados, de vinhos e queijos a flores, frutas e verduras, com opção de entrega em casa), localizados na região leste do bairro, ¿Puerto Madero representava uma proposta muito inovadora porque, pela primeira vez, Buenos Aires teve um bairro planejado, totalmente novo¿:

¿ O projeto urbanístico é excelente. Este é um bairro de ruas amplas, muito verde e construções de nível internacional.

Sua família está envolvida em grandes empreendimentos imobiliários no bairro, como a torre El Faro, uma das mais altas da cidade.

¿ Os melhores arquitetos de Buenos Aires estão trabalhando em Puerto Madero. Aqui há combinação de bom gosto, excelência e qualidade ¿ diz ela.

Sócio dos restaurantes La Caballeriza e Justo Corrientes, o empresário Pablo Varán chegou a Puerto Madero em 1995:

¿ Sou arquiteto e achei o projeto maravilhoso. Decidi fazer o investimento nas primeiras etapas de construção. O bairro está ao lado do Centro, mas, é totalmente diferente do resto da cidade. Aqui temos segurança e infra-estrutura de primeiro nível.