Título: PF investiga se Álvaro Lins chantageia Picciani
Autor: Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 01/08/2008, Rio, p. 25

Sob risco de cassação, deputado estaria ameaçando vazar crime atribuído ao presidente da Alerj no passado

Sérgio Ramalho

Relatório de inteligência da Polícia Federal revela que o deputado estadual Álvaro Lins (PMDB) estaria chantageando o presidente da Assembléia Legislativa do Rio, deputado Jorge Picciani (do mesmo partido), para escapar da cassação no plenário. A PF investiga a informação de que Lins estaria ameaçando vazar o conteúdo de um processo, da 1ª Vara Criminal de Rondonópolis (MT), a que Picciani responde por prevaricação e concussão.

Os crimes teriam sido praticados em 1986, quando ele trabalhava como fiscal de renda no estado. Chegou a ser expedido contra o parlamentar um mandado de prisão preventiva, que perdeu efeito, mas aparece em aberto na Rede Infoseg, o banco de dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Exonerado a bem do serviço público após a conclusão de um processo administrativo, Picciani passou a responder pelos crimes no Fórum de Rondonópolis em 1990, mesmo ano em que se elegeu deputado estadual pela primeira vez, no Rio.

Apesar de ter foro especial, o político continua figurando como réu na ação. Foi expedida uma carta precatória (número 1998.001.141028-0) para que o ex-fiscal fosse ouvido na 26ª Vara Criminal do Rio, em setembro de 1998. Por prerrogativa, a ação contra Picciani deveria ser julgada pelos desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.

Segundo a assessoria de imprensa de Picciani, ele nunca ouviu falar sobre o caso. "Lins não está em condição de chantagear ninguém, isto seria uma tolice", afirmou o presidente da Alerj, de acordo com seus assessores. Lins não foi localizado para comentar a investigação da PF.

De acordo com o relatório de inteligência da PF, em meio aos sucessivos episódios envolvendo nomes de deputados estaduais na prática de crimes, Lins teria ameaçado vazar as informações negativas contra o presidente da Alerj, o que prejudicaria ainda mais a imagem da Casa diante da opinião pública. A suposta chantagem está sendo investigada pela PF, que prendeu Lins na Operação Segurança S/A, em maio.

A atuação como fiscal de renda no Mato Grosso parece não fazer parte da história de Picciani. Pelo menos é o que fica claro no perfil do político exibido na página da Alerj na internet, onde, paralelamente à atividade política, aparece o trabalho como pecuarista. Não há qualquer referência à sua atuação como fiscal.

No entendimento de juristas consultados pelo GLOBO, o desgaste político para o presidente da Alerj seria mais significativo do que o resultado do julgamento em Rondonópolis. A explicação é simples: os crimes de concussão (quando um funcionário público exige para si vantagem indevida, com pena de reclusão de três a oito anos) e prevaricação (retardar ou deixar de praticar ato de ofício, com pena de um a três anos de prisão) supostamente praticados pelo então fiscal de renda possivelmente já teriam prescrito. Presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, Romualdo Sanches Calvo Filho acrescenta que, como foi eleito deputado estadual, Picciani tem prerrogativa de ser julgado no Órgão Especial, o que não ocorreu, permitindo aos advogados do político solicitar a anulação do processo.

Imbróglio jurídico à parte, o relatório de inteligência da PF cita a revogação da prisão de Lins menos de 48 horas após sua prisão como indício de que o ex-chefe de Polícia Civil estaria pressionando seus pares. Na ocasião, 40 deputados votaram em favor da anulação da prisão em flagrante, considerada inconstitucional.

O documento da PF também cita as dificuldades que a Casa enfrentou para conseguir nomear um relator para o processo de cassação de Lins. Na ocasião, a deputada Aparecida Gama, também do PMDB, renunciou à relatoria do processo. O relatório, no entanto, não atribui o resultado da votação e a dificuldade em nomear um relator a gestões políticas do presidente da Alerj.

O peso político de Picciani pode ser medido pelas votações que o levaram à presidência da Alerj. Há 18 anos atuando como deputado estadual, ele alcançou a função mais importante da Casa em 2003, quando foi eleito por unanimidade. Dois anos depois, foi reconduzido à função, com 69 dos 70 votos da casa. Em 2007, Picciani foi novamente eleito, dessa vez com 68 votos.

A suposta chantagem citada no relatório da PF não teria sido a única estratégia de Lins para tentar escapar da cassação. O político, preso pela PF sob acusação de chefiar uma organização criminosa quando era chefe de Polícia Civil, tentou vários subterfúgios e, em meio às investigações da Comissão de Ética da Alerj, não cumpriu os prazos para a entrega de sua defesa, faltou a audiência e, por fim, tentou, sem sucesso, paralisar o procedimento na Justiça.