Título: De guru do comércio a vilão em Genebra
Autor: Oliveira, Eliane; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/08/2008, Economia, p. 27

Um dos responsáveis pelo fracasso de Doha, premiê indiano diz que aliança com G-20 continua firme

Florencia Costa

NOVA DÉLHI. Uma semana antes de desembarcar em Genebra e jogar duro com os EUA nas negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC), que acabaram fracassando, o ministro da Indústria e do Comércio indiano, Kamal Nath, foi chamado ao gabinete do primeiro-ministro Manmohan Singh.

- Só volte de lá com a certeza de que poderei dizer aos agricultores que nós não comprometemos seus interesses - disse Singh.

Há quatro anos no posto, considerado o guru do comércio indiano, Nath voltou na quarta-feira passada a Nova Délhi com a tarefa cumprida, a imagem de durão reforçada e o discurso de "defensor dos pobres".

- Não me encaro como bom ou mau. Herói ou vilão. Tenho de fazer o que é correto, defender os pobres dos países em desenvolvimento. E foi o que fiz - disse ontem o ministro.

O discurso foi encomendado pelo governo para ser repetido nos rincões rurais do país, onde vivem 70% do 1,1 bilhão de indianos. Muitos são os agricultores pobres citados por Nath em Genebra para defender sua postura firme contra a redução das tarifas de importação de produtos agrícolas. Serão também votos decisivos nas eleições gerais em 2009, que vão reconfigurar o parlamento indiano e decidir o novo primeiro-ministro.

Aos 61 anos, Nath é um dos ministros mais poderosos da Índia. Responsável pela famosa campanha "Índia em todos os Lugares" - que divulgou o país no palco da globalização -, esteve à frente de outras duas pastas (Meio Ambiente e da Indústria Têxtil) e está há 40 anos nos quadros do Partido do Congresso. É homem de confiança não só do primeiro-ministro, mas também do clã político que domina a Índia, os Nehru Ghandi.

Em seu habitual estilo ferino, reagiu aos que o apontaram como culpado pelo colapso das negociações da Rodada de Doha, mas evitou polemizar com o Brasil quando perguntado por que o país - que integra o G-20 ao lado da Índia - não o ajudou na reunião de Genebra:

- O G-20 tem diversos interesses, mas a aliança continua firme.